- (...) lembras-te daquele estudioso norte-americano que veio à universidade em maio para o congresso sobre educação organizado pela Faculdade de Psicologia?
- Sim, lembro-me muito bem. Desconstruiu a aula dada pelo professor, criticando-a. Recebeu muitos aplausos, de facto, foi ovacionado. Foi o conferencista mais valorizado do dia.
- O que aplaudiram? - perguntou Cacilda.
- A sua explicação.
- Aplaudiram a sua própria aula - explica Cacildade - Uma hora a falar diante de uma audiência calada que escutava uma aula de um professor que abordava a deficiência dada por um seu semelhante.
Catherine L’Ecuyer
Este é um excerto de um texto através da qual se evidencia um dos problemas que tem vindo a afetar negativamente a qualidade dos projetos de formação inicial e contínua de professores. Os especialistas designam-no por ausência de isomorfismo pedagógico, referindo-se à discrepância entre aquilo que um formador apregoa e aquilo que este mesmo formador faz.
O que torna a situação merecedora da nossa atenção não é tanto a incoerência da mesma, mas o seu impacto formativo. Todos aquelas e aqueles que fazem da docência a sua profissão sabem que, numa sala de aula, nem sempre intenções e atos se encontram devidamente alinhados. São ossos de um ofício cujas vicissitudes importa reconhecer, sem que isso implique aceitar que um tal desalinhamento deve ser a regra, nem no trabalho educativo que possa ter lugar na Educação Básica, no Ensino Secundário ou no Ensino Superior, nem especialmente nos espaços específicos relacionados com a formação de docentes.
É que, nestes espaços, a incongruência curricular e pedagógica tem implicações formativas. Em primeiro lugar, tende a impedir os formandos de viverem experiências, ao nível das salas de aula, diferentes daquelas que até esse momento foram as suas quer ao longo da sua vida de estudantes quer ao longo da sua atividade como docentes. Uma tal situação acaba por reforçar, em segundo lugar, a crença de que, ao nível das práticas letivas, não há alternativas ao instrucionismo curricular e pedagógico como modo de educação dominante. Neste sentido, contribui-se, em terceiro lugar, para alargar o fosso entre a teoria e a prática. A primeira é vista como pouco pertinente porque alegadamente refém de uma abordagem idealizada e, por isso, distante da Escola, o que justifica que a segunda seja conjugada, apenas, em função da valorização da experiência do professor e do subsequente desprezo por todas as possibilidades de interpelação a que essa experiência possa ser submetida, seja pelos resultados da investigação, seja por outras leituras que se construam a partir de quadros concetuais e heurísticos diferentes dos seus. Cria-se, assim, um ambiente formativo que, em quarto lugar, contribui para penalizar as oportunidades de reflexão de formandos e de formadores. Os primeiros porque ficam fechados nas suas idiossincrasias e certezas, não podendo identificar e compreender que há outros modos de pensar e concretizar a atividade docente, diferentes daqueles com os quais se encontram familiarizados quer devido às suas experiências como alunos, no caso da formação inicial, quer devido às suas experiências como docentes, no caso da formação contínua. Quanto aos formadores, a situação penaliza-os porque ao não interpelarem o que fazem, não só contribuem para perpetuar o status quo curricular e pedagógico que dizem pretender erradicar, como, igualmente, acabam por não beneficiar das reflexões curriculares e pedagógicas que poderiam produzir a partir da reflexão sobre as suas próprias práticas.
Fontes
L’ Écuyer, Catherine (2024). Conversas com a minha professora: Dúvidas e certezas sobre a educação. Lisboa: Planeta.
Para finalizar:
(...)Damos conta aqui apenas dos resultados obtidos através das respostas dos estudantes. Aa ação experiencial prendem-se com a formação académica adquirida e outra complementar (MEM) e com a culturssim, todos os estagiários inquiridos puderam escolher o lugar de estágio (apenas um o fez segundo indicação da coordenadora da PES), e presidiu o critério geográfico na escolha de 75% dos inquiridos. Outros elementos securitários para a sua e clima de escola e a organização da sala de aula. As caraterísticas dos alunos e as metodologias de trabalho do cooperante apresentam um papel estruturante do trabalho do estagiário que não se coaduna com o carater aleatório das opções permitidas/oferecidas pela escola de formação. A metodologia do docente cooperante predomina na prática de ensino de 62,5% dos estudantes, seguida das metodologias aprendidas na formação académica e as indicações da professora supervisora.(...)50% dos estudantes confrontaram-se com metodologias tradicionais/conservadoras de ensino, sendo 12,5% instados a usar o manual escolar como guia e recurso; 25% ousaram apenas alterar a metodologia nas aulas supervisionadas, face ao reforço do professor supervisor. Todos apontaram variadas mais valias obtidas, como saber” como é a realidade de lidar com um grupo, o que posso melhorar (…) aquilo que não quero ser e não quero reproduzir para os meus futuros alunos (MA); mas também a exceção à regra, ”trabalhar em conjunto com o docente; interagir com todas as turmas da escola e todos os profissionais; colocar em prática as planificações sem quaisquer restrições; a presença “em várias reuniões da escola (…); ir numa visita de estudo e ajudar os docentes a realizar documentos sobre a mesma; (…)não se cingir apenas a um estágio dentro de uma sala, mas sim com toda a escola e com toda a comunidade escolar (professores, alunos, assistentes e encarregados de educação)” (JF)
A triangulação dos dados recolhidos com as respostas dos restantes participantes não cabe neste artigo, embora seja relevante referir que o protocolo das instituições cooperantes com a ESE inquirida parte de relações aleatórias, de indicação prévia dos estudantes candidatos segundo as suas escolhas, sem um trabalho prospetivo de modelos pedagógicos ou praticas de ensino e aprendizagem, nem a preparação dos cooperantes para a tarefa a desempenhar.(...).»
A este proposito, há uns anos (2020) colaborei numa pesquisa no âmbito das condiçoes do estagio na formação inicial de professores (Desafio do Estágio de Ensino Supervisionado na Formação Inicial de Professores), que problematiza as condiçoes vigentes de ação dos formandos no campo das práticas. Partilho aqui parte do artigo, no que se refere aos dados extraidos da análise de conteudo das entrevistas aos alunos estagiários:
« (...) O estudante estagiário interage com o conhecimento das áreas de estudo, das didáticas e do contexto onde a ação profissional se realiza. Enquanto pessoa com valores, competências e formas de expressão, sua formação articula-se aos ambientes das instituições escolares onde vivencia as diferentes experiências, constituindo o seu ser nessa relação pedagógica.
Visámos compreender como as vivencias em sala de aula, bem como as interações com o professor titular e professor supervisor se podem articular na formação do estagiário.
Percorremos um caminho exploratório, que visou a desconstrução dos processos que envolvem a experiência de sujeitos em ação em uma Escola Superior de Educação; da respetiva Coordenação da PES ; de 13 estagiárias do Curso de Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico; de 13 docentes cooperantes do 1º Ciclo; da orientadora e supervisora da PES.
(...)A supervisão da pratica de ensino dos estudantes de mestrando, em diferentes momentos e instituições superiores de formação de educadores e professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, obriga a observar e refletir, a problematizar e descobrir processos e estratégias que possam colmatar falhas que se detetam, e melhorar as condições de desempenho dos estagiários num momento tão crucial da sua formação. Na verdade, “um programa inicial de preparação de professores, que prepara futuros professores para os desafios das aulas atuais, é essencial para garantir a sua qualidade. (Andreas Schleicher, OECD Director of Education and Skills, 2017). Eis a razão de ser deste pequeno estudo diagnóstico.
Em países do espaço europeu, Almeida e Lopo (2015), citadas por Sá-Chaves (2015: 143), consideram existir “(…) uma relativa discrepância quanto à organização (sequencial versus integrada) dos modelos de formação, sendo dominante em Portugal o modelo sequencial,”. As mesmas autoras referem que os países mais performativos (…) divergem na forma de organização dos seus sistemas educativos no que respeita ao tipo de qualificação final e à duração da formação, mas convergem num ponto essencial: reforçam as competências pedagógicas e práticas aquando da formação inicial de professores ao colocarem os formandos em contacto com o contexto real de trabalho logo na parte inicial do curso e ao conferirem grande parte do tempo do programa ao estágio. (Almeida e Lopo (2015), citadas por Sá-Chaves, 2015: 143). De acordo com a mesma investigação, no caso português esse contato é tardio e de duração variável entre instituições formadoras, o que introduz variáveis que as diferenciam, bem como os profissionais que formam.
Perante os resultados do TALIS (2018) - OECD Teaching and Learning International Survey -, um inquérito internacional de larga escala sobre professores, líderes escolares e o ambiente de aprendizagem nas escolas, constata-se que (…) o grau em que os elementos de conteúdo, pedagogia e prática de sala de aula são incluídos no treinamento formal de um professor tem um efeito significativo sobre a autoeficácia do professor e a satisfação no trabalho. Para quase todos os países, observa-se o mesmo padrão: quanto mais professores relatam a inclusão desses três elementos no treinamento formal, maiores são seus níveis de autoeficácia e de satisfação no trabalho. (TALIS, 2013: s/p). (...) A prática profissional ganhará em ser entendida como uma situação de formação interactiva, que envolve, em simultâneo, alunos (futuros professores), profissionais do terrenos (professores “cooperantes”) e os professores da escola de formação, onde se encara a alternância num sentido muito amplo, como um vaivém entre ideias e experiências, entre a teoria e prática.
Contudo, há que cuidar dessa interatividade entre diferentes níveis de poder, e é essa problemática que nos move, pois, como descrevem Duarte et al (2013), citando Lopes (2002:130), “A escola assume-se, então, como um espaço onde se forjam relações de amizade, mas também de animosidade; um espaço onde há uma ordem social estruturada hierarquicamente (…) “.
(...) Cada instituição formadora organiza o estágio dos seus formandos em momentos do curso e segundo orientações especificas aos seus estagiários e aos docentes supervisores e de acolhimento. O aluno candidato à docência é sujeito de uma aprendizagem que comporta o conhecimento teórico científico inerente à área de estudo e a antecipação de práticas didáticas e pedagógicas fora do contexto onde a ação profissional se realiza. Transporta consigo ainda modelos e modos de fazer a ser absorvidos por simpatia com os seus próprios professores desde o início da sua escolarização. E transporta-se ainda a si próprio, enquanto pessoa e cidadão global, com valores, competências, hábitos e formas de expressão. A este caldo de formação/formatação, em momentos finais do seu período de habilitação, acontece a imersão no ambiente de uma instituição escolar e de uma sala de aula, em cuja cultura e grupo humano importa inserir- se.
(...) Na iniciação à Prática Pedagógica Supervisionada - PES, por mais diferentes ou semelhantes que as conjunturas e estruturas de estágio possam parecer, subsiste a questão de se compreender (i) como o ambiente de sala de aula que o estagiário vai encontrar ou o perfil do docente cooperante podem modelar ou condicionar toda a experiência do formando, a despeito ou mesmo em contradição com a formação recebida da casa formadora, ensanduichando o estagiário entre a orientação e avaliação do supervisor e a orientação e avaliação do docente da turma que o recebe. Do mesmo modo, fica por esclarecer (ii) de que modo a atualidade do conhecimento científico e pedagógico proveniente do contacto com a instituição formadora, mediada pelo estagiário e pelo docente supervisor, é impactante no docente e na Escola de acolhimento, possibilitando reformulações e vinculações pedagógicas que inovam face ao momento anterior. Importa ainda identificar (iii) constrangimentos e medidas que possam melhorar a experiência de estágio no que se refere ao futuro professor e aos docentes e estabelecimentos de ensino de acolhimento.(...)
(...)Ao aluno-estagiário questionamos (i) que critério presidiu à escolha do contexto de estágio (O local/A opção pedagógica/A Disponibilidade da/o Docente); (ii) O que procura retirar como referência para a ação na sala de aula? (A metodologia de trabalho do professor/Os manuais /O plano curricular de turma/A personalidade da/o docente cooperante/As caraterísticas dos alunos/Outro-qual?); (iii) O que predomina na sua prática de estágio (A metodologia do professor cooperante em sala de aula/Estratégias aprendidas na escola de formação/Tem presente como a sua professora do 1º Ciclo agia e é influenciada por ela/As indicações da supervisora/Outro … O quê?); (iv) Quanto se sente à vontade para inovar na sua prática face ao que é usual na turma (1- nada; 2-pouco; 3-suficientemente; 4- bastante; 5- plenamente); (v) O que corresponde à sua integração em sala de estágio (Observou uma metodologia de trabalho tradicional/Observou um modelo particular de trabalho pedagógico/Qual?/Observou uma pedagogia ativa/Convidada a reproduzir a metodologia do docente cooperante /Instada a utilizar o manual como plano e como recurso/Ousando alterar a metodologia apenas nas aulas supervisionadas/À vontade para proceder segundo estratégias próprias/Incentivada a inovar.