Educação, analogias, metáforas, parábolas e provérbios (I)
Em vez de se dar o peixe, deve-se ensinar os alunos a pescar
Este é um provérbio que foi importado para a educação, para se recusar a possibilidade da Escola ser uma instituição onde os professores se limitam a oferecer, aos seus alunos, o conhecimento como algo pronto e acabado.
Em oposição a esta perspetiva, defende-se que os estudantes têm de aprender a pescar, o que significa que, em vez de darem o peixe, os docentes devem preocupar-se em contribuir para que os seus alunos aprendam a procurar o conhecimento, a analisá-lo, a refletir sobre o mesmo, a partilhá-lo, a confrontar-se de forma cosmopolita com perspetivas diferentes da sua ou a tomar decisões relativamente ao que necessitam de continuar a aprender.
Se confrontássemos os professores com estas questões, estou convencido que a maioria recusaria a primeira opção como a única pedagogicamente válida, prevendo-se, no entanto, que salvaguardassem que, umas vezes, é a oferta do peixe que se impõe e, outras vezes, é o ensino da pesca que deve ser valorizado.
Por isso, é que a analogia entre o professor e o pescador, sendo bastante tentadora, não deixa de contribuir para simplificar e, deste modo, fugir à questão. Fá-lo quando dicotomiza o que não pode ser dicotomizado (conteúdos e procedimentos ou conhecimento e atitudes), o que, como sabemos, nos tem levado a impasses, discussões e conflitos estéreis. Veja-se, por exemplo, o que se tem dito e escrito acerca daquela senhora que, durante anos a fio, se assumiu como professora de Matemática à custa da falsificação de certificados académicos. Aqueles que a defendem, mostram-nos que não vale a pena perder muito tempo a discutir o que é um bom professor. Haja vocação ou domínio da matéria a lecionar e a resposta está encontrada. Numa abordagem oposta a esta, ainda que sujeita à mesma visão linear da profissão docente, temos outros que propõem que o professor se deve circunscrever a ser um facilitador ou um mediador.
Por causa destas e de outras é que as analogias, as metáforas, as parábolas e os provérbios devem ser utilizadas de forma prudente, e só para rentabilizar a nossa comunicação, não para dispensar e substituir a reflexão sobre uma atividade tão complexa como é a aquela que os professores exercem.
No caso da analogia que está em discussão, veja-se como as suas ambiguidades iludem o facto de que o ato de ensinar a pescar tanto pode constituir um obstáculo como pode ser um contributo para que os alunos aprendam a ser bem sucedidos nessa tarefa. A tais ambiguidades acrescem as limitações da mesma analogia, nomeadamente quando não permitem reconhecer que a oferta de peixe e a oferta de saber são ofertas incomparáveis. É que o peixe pode ser oferecido, enquanto o saber não. O que pode oferecer-se é informação, o que não garante, contudo e só por si, que esta se transforme, de imediato, em saber, porque, para que isso aconteça, é necessário que cada aluno beneficie dos estímulos, das interlocuções e dos apoios necessários para que essa informação ao tornar-se sua, passe a ter um outro estatuto epistemológico, assumindo-se, então, como saber. Importa compreender, no entanto, que estamos perante um processo que nem é inevitável nem isento, por vezes, de sofrimento, o qual é necessário e aceitável se não for inútil e não contribuir nem para a desqualificação dos alunos, nem para a exclusão e a perpetuação dos veredictos que o berço onde cada um nasce determina. Estamos perante um processo cujo sucesso está dependente das oportunidades que se criam para que o mesmo ocorra e, neste âmbito, está dependente do papel e da ação dos professores, os quais ocupam um lugar nuclear, pelo modo como se mostram capazes de “explorar sem tréguas os obstáculos inerentes aos ao seu próprio discurso, circunscrever as formulações aproximativas, buscar incansavelmente exemplos e dispositivos novos, multiplicar as reformulações inventivas” (Meirieu, 2002, p. 80). É esse investimento na construção de momentos educativos que geram tais possibilidades que a atividade docente se afirma como uma atividade complexa porque, para que isso aconteça, é necessário ter em conta tanto os alunos e as suas especificidades como os saberes e as suas particularidades. É que, afinal, estamos perante um encontro que permita “oferecer um objecto de saber de que o outro [o aluno] possa apoderar-se, para examiná-lo, para pegá-lo nas mãos, para manipulá-lo, para apropriar-se dele ou desvirtuá-lo, enfim, para pôr «algo de si nele»” (ibidem). Assim, o professor terá “multiplicado os ‘pontos de apoio’ e aberto perspectivas que constituirão os meios para o aluno exercer a sua inteligência” (ibidem).
Cuidado, pois com a utilização das analogias, metáforas, parábolas e provérbios para falarmos de educação. É que, como nos lembra António Nóvoa (2005), tudo o que é evidente mente.
Fonte
Meirieu, Philippe (2002). A Pedagogia entre o dizer e o fazer: A coragem de começar. Porto Alegre: Artmed.
Nóvoa, António (2005). Evidentemente: Histórias de educação. Porto: Edições ASA.
Excelente reflexão. Num tempo em que o debate sobre a educação anda profundamente inquinado, este texto é uma lufada de ar fresco.