Assumir que os professores deverão ser os autores da sua profissão é a ideia nuclear que alicerça a lógica formativa empoderadora. Com uma tal afirmação de princípio não se pretende validar qualquer tipo de manifestação de corporativismo docente, mas tão somente defender que os professores têm e devem assumir um papel central nos diálogos a estabelecer com as lideranças das escolas, os decisores políticos e os especialistas.
Sendo esta uma lógica sedutora, conduz, no entanto, os professores a viverem desafios cuja exigências e riscos não podem ser ignorados ou minimizados. Daí que seja necessário considerar, desde logo, que estamos perante um processo que nem se compadece com a urgência dos calendários a curto prazo, delimitados pelo tempo de duração dos ciclos eleitorais, nem tão pouco com o otimismo ingénuo das manifestações de voluntarismo inspirado. É que os obstáculos referentes à relação com a Administração Central são reais e evidentes. As culturas organizacionais das escolas constituem um outro problema sério a enfrentar, no momento em que obstaculizam a participação dos professores. Por fim, não é possível deixar de referir que a postura institucional e pedagógica de muitos docentes, marcada por conceções magistercêntricas e individualistas, é um outro obstáculo a ter em conta.
Se olharmos com atenção para o quadro acabado de enunciar não será difícil constatar que o centralismo da Administração, a cultura organizacional paternalista e a atitude institucional e pedagógica dos professores descrita são posicionamentos que se retroalimentam, constituindo um poderoso fator que inibe a possibilidade de transformar o status quo vigente. Daí que seja necessário perguntar se um projeto de formação contínua subordinado a uma lógica empoderadora é possível e como é que se pode concretizar de forma sustentável. Face às duas questões propostas, parece-me mais vantajoso focarmo-nos na segunda, já que a possibilidade de responder à primeira depende do sucesso das respostas que encontrarmos para enfrentar a mesma.
Na minha perspetiva, a possibilidade de se implementarem projetos de formação contínua empoderadores obriga-nos a realizar dois tipos de operações: (i) uma relacionada com a necessidade de clarificar perspetivas sobre a problemática em questão, de forma a estilhaçar os falsos consensos que impedem as discussões honestas e consequentes; (ii) outra, a reconhecer as margens da autonomia possível e, subsequentemente, a investir noutras formas de pensar e concretizar iniciativas formativas que possam alimentar a reflexão sobre o modo como as ações de formação contínua podem constituir-se como um espaço de afirmação profissional dos professores.
Como em tudo na vida, e no campo da educação em particular, temos de aprender a construir as margens da ação possível, sem correr os riscos inerentes às posturas voluntaristas. No momento em que vivemos, temos de discutir de forma explícita e construtiva tanto a relação entre as entidades formadoras e a Administração Central como a relação entre estas entidades e as escolas. Tais iniciativas enquadram-se no eixo político-institucional da reflexão sobre a formação contínua de professores, aquele onde a margem de manobra dos docentes é mais circunscrita, quer porque dependem da adoção de políticas educativas e de transformação de práticas de gestão que envolvem outros atores educativos, quer porque implicam o envolvimento em situações que obrigam a pôr em causa relações e dinâmicas de poder bastante consolidadas. Num outro eixo, o da organização e gestão da formação, a autonomia relativa das entidades formadoras é maior, obrigando a discutir a relação entre o conhecimento profissional docente e a formação contínua, bem como a importância estratégica dos formadores e as iniciativas a desenvolver para que estes se construam como atores capazes de promover ações congruentes com os pressupostos da lógica formativa empoderadora.
Serão estes os temas dos próximos dois textos de reflexão sobre formação contínua de professores. Textos estes textos subordinados a uma questão decisiva: O que fazer?