É o propósito de atualizar conhecimentos e estratégias que determina que a formação contínua de professores se construa como uma operação de reciclagem curricular e pedagógica deste profissionais. O ponto de partida das iniciativas formativas é sempre o que os docentes não são capazes de saber ou de fazer, o que justifica que a formação contínua seja identificada como uma operação ortopédica que visa adaptar os formandos às necessidades e exigências que o centro do sistema educativo pré-estabelece, suprindo o que os arautos das mudanças consideram ser as suas deficiências profissionais.
Se estes são os pressupostos nucleares da lógica formativa em debate, implica olhar, agora, para as suas implicações, as quais, em termos do eixo de análise que privilegia a organização e a gestão da formação contínua, se manifestam através de um processo marcado por clivagens diversas, nomeadamente entre a ação e a reflexão; entre desenvolvimento profissional, pessoal e organizacional (Nóvoa, 1991) ou entre aplicadores e investigadores. Neste âmbito, uma outra implicação a ter em conta exprime-se através da organização de iniciativas que se caraterizam pela sua dimensão normativa e prescritiva, dissociada de quaisquer projetos de intervenção institucional ou utilizando estes projetos de forma periférica, instrumental e circunscrita.
Do ponto de vista da dinâmica político-institucional da formação contínua, compreende-se melhor como é a lógica ortopédica que melhor legitima a possibilidade da Administração Central interferir, através da sua estratégia de financiamento, na configuração dos programas de formação que às entidades formadoras, e em particular aos CFAE, compete concretizar.
Se se pode argumentar que uma tal opção parece permitir garantir uma maior qualidade dos programas de formação e exponenciar a influência das mudanças introduzidas por essa administração, importa, no entanto e em primeiro lugar, ser prudente quer quanto a essa alegada qualidade quer quanto a esta influência, para, em segundo lugar, olhar para as desvantagens da lógica formativa ortopédica.
Neste sentido, e aceitando como hipótese credível que os programas de formação concebidos no centro do sistema educativo têm boas condições para se afirmarem como programas de qualidade, importa não esquecer, no entanto, que esta sendo uma condição necessária para garantir aos formandos uma experiência formativa gratificante e significativa, não é, contudo e só por si, uma condição suficiente para que uma tal experiência possa acontecer. Neste sentido, a alegada influência do Ministério da Educação, atrás referida, pode não passar de uma miragem que decorre, em larga medida, do facto de as entidades formadoras, os formadores e os formandos assumirem, sobretudo, o papel de destinatários dos programas de formação emanados da Administração Central desse ministério.
Define-se, assim, o primeiro e, provavelmente, o maior risco da lógica ortopédica como lógica inspiradora das ações de formação contínua. Um risco que gera outros riscos complementares, nomeadamente o da inércia das administrações das escolas face à possibilidade de gerirem estrategicamente a formação como resposta aos desafios e exigências a que essas escolas estão sujeitas, a instrumentalização dessas ações por parte do professores, orientando as suas opções pelos ganhos que podem usufruir ao nível da progressão na carreira e, finalmente, a desvalorização das entidades formadoras como organismos capazes de potenciar a participação dos docentes na configuração dos programas de formação que lhes dizem respeito, o que constitui uma das condições necessárias para que estes possam enfrentar os desafios singulares e complexos que, hoje, caraterizam a atividade profissional dos professores.
Referências
Nóvoa, António (1991). Formação Contínua de Professores: Realidades e perspetivas. Aveiro: Universidade de Aveiro.