Formação contínua de professores: Para quê?
A reflexão sobre a formação contínua de professores adquiriu uma grande visibilidade, em Portugal, entre a década de 90 e a primeira década do século XXI, à qual, certamente, não foi alheio o facto de, nesse período, estarmos a assistir à génese do subsistema português de formação contínua com a promulgação do Decreto-Lei nº 249/92.
É desta época a publicação de algumas obras de referência sobre a formação contínua, das quais selecionamos, entre muitas outras, aquelas que são da autoria de A. Nóvoa (1991; 2002), de A. Amiguinho e R. Canário (1994), de J. Barroso e R. Canário (1999), de R. Canário e J. A. Correia (1999), de M. C. Roldão e outros (2000), de A. Estrela (2002), de J. Formosinho (2009), de S. M. Santos (2009) ou, ainda, de A. Lopes e outros (2011).
Estamos perante obras que, de um modo geral, propõem reflexões onde se recusa um modelo de formação circunscrito a propósitos de reciclagem e à atualização do conhecimentos dos professores, propondo-se, em alternativa, a necessidade de se assumir uma racionalidade formativa empoderadora, de forma a que a formação contínua pudesse constituir uma oportunidade dos professores participarem, a partir das suas experiências concretas, dos seus saberes profissionais e das reflexões cooperadas sobre as suas conceções e práticas, na construção do conhecimento profissional que lhes diz respeito. Por isso é que nesses trabalhos se privilegiava, também, a reflexão sobre as possibilidades dos CFAE se afirmarem como espaços de formação onde as iniciativas de formação se construíssem em função de uma lógica formativa empoderadora.
Assim, o que nesses textos se tentava demonstrar é como o primeiro tipo de modelo de formação atrás referido não era congruente com uma perspetiva da profissão docente onde os professores fossem vistos como profissionais reflexivos. De acordo com os pressupostos do referido modelo, os contextos de formação seriam concebidos como espaços de difusão de informação e orientações produzidas pelos especialistas, com o propósito de se modelar o pensamento e a ação dos docentes. Trata-se de uma racionalidade formativa subordinada a uma lógica ortopédica que legitima a importância da formação contínua à necessidade de superar os erros e as lacunas profissionais dos docentes. O outro modelo, subordinado à lógica empoderadora, não negando a necessidade e a possibilidade de, por via da formação contínua, se estabelecerem processos de interlocução entre os saberes dos especialistas e os saberes e experiências dos professores, recusa, no entanto, que os docentes se circunscrevam ao papel de destinatários dos saberes dos primeiros. Estes saberes não são desvalorizados, sendo vistos como recursos que poderão permitir aos professores viver oportunidades de ressignificação das suas conceções e experiências, de forma a poderem conceber outras possibilidades de refletir e de intervir, não sendo, todavia, os saberes dos especialistas que, só por si, garantem que uma tal possibilidade ocorra. Por outro lado, é necessário reconhecer que se os professores se limitarem ou forem limitados a ser repositórios de tais saberes, correm o risco de se atolarem em zonas de impasse cognitivo ou de se refugiarem, das mais variadas maneiras, numa atitude de indiferença intelectual no âmbito dos contextos de formação. Por isso, é que uma lógica empoderadora da formação contínua pode ser identificada em função dos três eixos que Nóvoa (1991) propõe para a balizar: (i) o eixo do desenvolvimento profissional que corresponde, por sua vez, à necessidade de se investir na pessoa e nos seus saberes; (ii) o eixo do desenvolvimento pessoal que se define essencialmente pela necessidade de se investir na pessoa e na sua experiência e (iii) o eixo do desenvolvimento organizacional que se relaciona com a necessidade de se investir na escola e nos seus projetos.
Qual o caminho que, mais de 30 anos depois, estamos a seguir? Qual o caminho que deveríamos percorrer no espaço da formação contínua de professores? Quais as implicações e os riscos dos percursos formativos que decorrem da opção por um ou outros dos dois modelos de formação em presença?
Referências
Amiguinho, Abílio; Canário, Rui (1994). Escolas e mudança: O papel dos Centros de Formação. Lisboa: Educa.
Barroso, João; Canário, Rui (1999). Centros de formação das associações de escolas: Das expectativas às realidades. Lisboa: Ministério da Educação / IIE.
Estrela, Albano (2002). Formação contínua de professores. Lisboa: CNE.
Formosinho, João (2009), Formação de professores: Aprendizagem profissional e ação docente. Porto: Porto Editora.
Lopes, Amélia e outros (2011). Formação contínua de professores, 1992 – 2007: Contributos de investigação para uma apreciação retrospectiva. Porto: LivPsic/ CCPFC.
Nóvoa, António (1991). Formação Contínua de Professores: Realidades e perspetivas. Aveiro: Universidade de Aveiro.
Nóvoa, António (2002). Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.
Roldão, Maria do Céu e outros (2000). Avaliação do impacto da formação: Um estudo dos centros de formação da Lezíria e médio Tejo, 1993 a 1998. Santarém: Edições Colibri/ESE de Santarém;
Santos, Sérgio Machado dos (2009) Percursos da formação contínua de professores: Um olhar analítico e prospectivo. Braga: Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua.