Na continuação do texto que partilhei sobre os efeitos educativo resultantes da identificação que se estabelece entre protagonismo e atividade dos alunos, decidi, agora abordar um outro equívoco: o de entender que aquele protagonismo só é possível como etapa subsequente a momentos prévios e obrigatórios de instrução.
Neste sentido, o vínculo entre os dois textos diz respeito, sobretudo, ao modo como se tenta preservar a respeitabilidade do paradigma pedagógico da instrução face ao conjunto de interpelações críticas a que o mesmo tem vindo a ser sujeito. Assim, face à denúncia da passividade intelectual a que os professores instrucionistam subjugam os alunos, responde-se com propostas que, em nome da valorização do protagonismo discente, visam assegurar, apenas, um tipo de atividades circunscritas e previamente determinadas que, de algum modo, contribuem para modernizar as práticas daqueles professores. O pilar essencial em que assenta o instrucionismo, abordar os alunos como ignorantes e incompetentes, não é afetado, mantendo-se, ainda que de um outro modo, o principal propósito da ação dos docentes vinculados àquele paradigma: o de resgatar os alunos da ignorância e da incompetência anunciadas.
É a partir deste cenário que se pode compreender melhor uma outra dimensão do processo de renovação que o instrucionismo pretende promover, quando se defende que antes dos alunos poderem cooperar entre si, envolver-se em atividades criativas, manifestarem-se criticamente, refletirem ou, entre outras coisas, relacionarem-se de forma intelectualmente autónoma com o conhecimento das diferentes áreas do saber, necessitam de ser instruídos pelos seus professores. O argumento que alicerça uma tal perspetiva é simples: só depois dos professores transmitirem o conhecimento aos alunos é que estes poderão ser capazes de o mobilizar e utilizar de forma intelectualmente complexa.
Se é verdade que a leitura crítica e criativa do mundo envolvente, a capacidade de discutir de forma sustentada perspetivas diferentes das suas ou a possibilidade de se aprender de forma autónoma são operações que não podem ser dissociadas do grau de familiaridade que cada um de nós mantém com os quadros concetuais e heurísticos que permitem tais operações, resta saber se esse grau de familiaridade se adquire através da transmissão, por parte dos docentes, de informações sobre conceitos e procedimentos, bem como da proposta dos exercícios que estes propõem para estimular a reprodução daquelas informações. Para o paradigma da instrução este é um ciclo educativo inevitável, defendendo-se que um dos equívocos das abordagens pedagógicas ditas inovadoras é o desprezo que manifestam pelo conhecimento culturalmente validado.
Independentemente de uma tal acusação poder fazer sentido face a algumas perspetivas que tendem a ser identificadas com o campo da inovação pedagógica, não é isso, contudo, que importa discutir agora. O cerne do problema é outro e consiste em saber se a atividade instrucionista do professor é obrigatória como primeira etapa educativa. Defendo que não é, ainda que isso me obrigue a esclarecer, no entanto, que uma tal recusa corresponde, acima de tudo, à recusa da relação que se estabelece entre o paradigma da instrução e as aulas expositivas, onde estas são entendidas como a metodologia dominante e quase que exclusiva desse paradigma. Para mim, as aulas expositivas são aceitáveis se enquadradas em ciclos didáticos mais amplos que não se confinem, apenas, à difusão de informação e onde não se identifique, igualmente, este tipo de difusão com a difusão do saber.
As aulas expositivas poderão ser pertinentes para que um professor possa introduzir uma problemática e estimular a recetividade e o interesse dos alunos, para discutir os seus equívocos ou para os confrontar com outras perspetivas, quando essa é uma necessidade que diz respeito a toda a turma. As próprias apresentações dos estudantes podem ser enquadradas na categoria das aulas expositivas, o que significa que, afinal, se pode considerar que esta abordagem metodológica deixa de ser uma rotina para passar a ser definida em função de um outro tipo de intenções pedagógicas e compreendida em função das articulações que se podem estabelecer entre as aulas expositivas e os debates, o estudo autónomo, a pesquisa, o trabalho laboratorial ou o trabalho de campo.
Dito isto, nem se pode considerar que as atividades iniciais da aprendizagem dos alunos se circunscrevem às aulas expositivas nem que estas se têm de circunscrever a tais atividades. É possível que uma criança no 1º ciclo tenha contato com informação relevante sem ser por via de instrução direta dos seus professores, do mesmo modo que é aceitável que, numa fase de maior familiaridade com essa informação, os professores possam ter necessidade de recorrer a palestras, desde que se salvaguarde um pressuposto decisivo: uma aula expositiva é aceitável se corresponder a uma ação pedagógica que se desencadeia face a dúvidas ou questões propostas pelos alunos ou percecionadas pelos professores como dúvidas ou questões que, na sua perspetiva, afetam, de forma significativa, o trabalho de aprendizagem dos alunos.
Esta transformação ao nível dos procedimentos pedagógicos está longe de poder ser entendida como uma opção técnica. Corresponde a um outro modo de abordar a relação entre os alunos e o conhecimento culturalmente validado, o que nos conduz a ter de discutir, no próximo texto, a relação entre informação e saber.