Em 1940, Sartre, aprisionado pelos alemães em Nancy, escreveu um auto de Natal, «Barjonas ou O Filho do Trovão», para ser representado num barracão do campo onde funcionava a prisão. É nesse auto que se encontra o texto que, para vos desejar Boas Festas, quero partilhar neste blogue.
A Virgem está pálida e olha para o Menino. Seria preciso pintar no seu rosto aquela admiração ansiosa que se viu apenas uma vez num rosto humano. Porque Cristo é o seu Filho, a carne da sua carne e fruto do seu ventre. Ela teve-o em si própria durante nove meses e dar-lhe-á o seio e o seu leite tornar-se-á sangue de Deus.
Há momentos em que a tentação é tão forte que esquece que ele é Filho de Deus. Aperta-o nos braços e sussurra-lhe: 'Meu pequenino.' Mas noutros momentos fica perplexa e pensa: 'Deus está ali' e é invadida por um religioso temor por esse Deus mudo, por este bebé.
Todas as mães ficam perplexas, por um momento, diante daquele fragmento da sua carne, que é a sua criança, e sentem-se exiladas perante esta nova vida feita da sua vida, habitada por pensamentos alheios.
Mas nenhum filho foi arrancado à sua mãe de forma tão cruel e radical, porque ele é Deus e ultrapassa completamente tudo o que ela poderia imaginar. E é uma dura provação para uma mãe ter vergonha de si mesma e da sua condição humana diante de seu filho. Mas penso que houve também outros momentos, rápidos e fugazes, em que ela sente que Cristo é o seu filho, o seu menino, e que é Deus. Olha-o e pensa: 'Este Deus é meu menino, meu filho. Esta carne é a minha carne, é feito de mim, tem os meus olhos e a forma da sua boca é semelhante à minha. Parece-se comigo. É Deus e parece-se também comigo.'
E nenhuma mulher teve a sorte de ter o seu Deus só para si. Um Deus tão pequenino para apertar nos braços e cobrir de beijos, que sorri e que respira. Um Deus que está vivo e que se pode tocar.
Muito obrigada. Pelo texto e pelos votos. Boas festas, também, para ti, Rui Trindade, e para os teus.