Quando iniciei a escrita de textos relacionados com a análise do livro «Aprender» tinha decidido que não iria abordar o subcapítulo, «Portugal em experiência natural» (p. 109 - 116), onde Nuno Crato (NC) expõe a sua perspetiva sobre os resultados dos alunos portugueses em provas de avaliação internacionais (PISA, TIMSS e PIRLS). Mantive a minha decisão até ao momento em que li o artigo escrito por NC no jornal «Público» (26.04.2025) com o título «Falta de educação». Aí defende que Portugal, em termos de políticas educativas, viveu um período de ouro a partir de 2002, o qual atingiu o seu auge nos quatro anos (entre 2011 e 2015) em que o próprio foi ministro da Educação, antes de ter começado o que ele considera ser caos educativo iniciado pelos governos presididos por António Costa.
Foi a leitura deste artigo que me obrigou a escrever este texto. Se não o fizesse sentir-me-ia cúmplice da egolatria de alguém que constrói as suas análises ignorando ou martelando os factos, produzindo inferências sem evidências que o autorizem a fazê-lo e, de um modo geral, substituindo a leitura prudente e sustentada das realidades educativas por um proselitismo que se baseia, sobretudo, nas suas idiossincrasias e crenças.
Começo a minha reflexão sobre o tema em questão, discutindo as alegações de NC que atribui às medidas que implementou como Ministro da Educação, a razão que explica que os melhores resultados obtidos por estudantes portugueses nas provas do PISA e do TIMSS tenham ocorrido em 2015.
Não vou discutir aqui essas medidas e as suas implicações, mas tão somente manifestar a minha perplexidade perante as afirmações de alguém que considera que em quatro anos de governo é possível produzirem-se mudanças tão relevantes como aquelas que afirma serem da sua responsabilidade. Como é que alguém que foi ministro entre 2011 e 2015 pode considerar que os resultados do PISA de 2015 se devem às políticas educativas que implementou, sabendo-se que os estudantes em questão estariam, com 11 anos, no 5º/6º ano de escolaridade? Significa isto que Crato considera que as aprendizagens realizadas anteriormente à sua chegada ao Ministério da Educação (ME) não são tidas em conta ou que o impacto da sua ação foi tão poderoso que, em 4 anos, os estudantes puderam superar os alegados erros e malefícios educativos vividos até esse momento?
Foi certamente por prever esta discrepância que NC, no referido artigo, define que foi em 2002 que se iniciou o período de ouro do sistema educativo português, esquecendo-se, todavia, que em 2006 publicou um livro, «O ‘Eduquês’ em discurso directo: Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista» (Crato, 2006), onde defendia o contrário do que hoje defende, por via das críticas contundentes que aí produz sobre o mesmo período que agora já elogia.
A análise pouco rigorosa e oportunista que N. Crato produz sobre os resultados dos nossos alunos em provas internacionais não se fica, no entanto, por aqui, uma vez que dispensa discutir as suas responsabilidades nos resultados das provas do PISA realizadas em 2018. Podendo esta crítica parecer estranha, uma vez que Nuno Crato deixou de ser ministro em 2015, direi em minha defesa que, em primeiro lugar, me limito a aplicar os mesmos critérios de análise por ele utilizados para as provas internacionais anteriores. Em segundo lugar, relembro que os alunos que realizaram estas provas em 2018 entraram para a Escola em 2009 e, por isso, tiveram Nuno Crato como ministro entre 2011 e 2015.
Um outro aspeto que revela como a análise do ex-ministro carece de exigência e rigor tem a ver com o facto, também, de ignorar ostensivamente que os resultados de 2022 não podem ser lidos sem ter em conta os efeitos da pandemia, da chegada massiva de alunos migrantes e do período de conflitualidade vivido nas escolas resultante da insatisfação dos professores relativamente ao não reconhecimento, por parte do ME, da totalidade do tempo de serviço congelado durante os anos da troika. Um outro problema da análise produzida por Crato revela-se quando este minimiza o facto dos resultados dos alunos portugueses no período, por si apelidado de decadência, se manterem dentro da média dos resultados do PISA ou, ainda, quando ignora os resultados obtidos nas provas referentes à avaliação do pensamento criativo dos alunos portugueses que decorreu também sob a égide do mesmo programa de avaliação internacional. Ainda que em dois textos publicados neste blogue sobre o mesmo assunto não me tenha mostrado francamente entusiasmado com tais resultados, não posso deixar de chamar a atenção para o facto de Crato os ter ostensivamente ignorado, provavelmente porque os alunos portugueses superaram de forma estatisticamente significativa a média da OCDE.
Quanto aos resultados no TIMSS, referentes às provas de Matemática de estudantes do 4º ano, constata-se que os melhores resultados dizem respeito a 2015 e que vieram a piorar em 2019 e 2023. Neste caso, é necessário reconhecer que as reivindicações de Crato assumem uma maior plausibilidade, dado que esses alunos entraram para a Escola em 2011. Não se percebe, mais uma vez, é como é que este atribui, apenas, à governação de Tiago Brandão Rodrigues as responsabilidades pelos resultados de 2018, sabendo-se que até esta data continuaram a vigorar as «Metas Curriculares» que Crato promulgou e não as «Aprendizagens Essenciais que só passam a ser aplicadas a partir de 2018/19. Por isso é que considero que a relação direta e linear que Crato estabelece entre políticas educativas e desempenho escolar dos alunos não permite dar conta da complexidade do que está em jogo, o que afeta a credibilidade das leituras que propõe sobre o assunto. Quanto aos resultados de 2023, o que se critica na análise do ex-ministro é que, mais uma vez, não tenha considerado o impacto da pandemia, da chegada dos alunos migrantes e da crise derivada da insatisfação dos professores.
Finalmente, olhemos para os resultados do PIRLS, uma prova de leitura realizada por estudantes do 4º ano de escolaridade. Constata-se que, nas provas deste programa, os resultados de 2016 pioraram face aos resultados de 2011 (menos 13 pontos) e são ligeiramente superiores, em 8 pontos, em comparação com os de 2023. Neste caso, Crato nem explica como é que se justifica a quebra entre 2011 e 2016 (o auge do que considera ser o período de ouro do sistema educativo português) nem volta a ser capaz de referir os fatores de contexto que afetaram os resultados de 2023.
Os problemas, os desafios e as exigências com que, hoje, somos confrontados como país, no que diz respeito à qualidade da educação que tem lugar nas nossas escolas, obrigam a que a reflexão sobre os mesmos assente, no mínimo, em critérios de honestidade e rigor. Exigem, concomitantemente, que tais problemas, desafios e exigências sejam abordados de forma competente e sustentada. Nuno Crato não respeita, infelizmente, nenhum destes dois tipos de requisitos, limitando-se a introduzir mais ruído na discussão, assumindo-se como parte do problema e não da solução e constituindo-se, assim, num obstáculo que impede a possibilidade de construirmos reflexões e respostas promissoras.
Referências
Crato, Nuno (2006). O ‘eduquês’ em discurso directo: Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. Lisboa: Gradiva.
Crato, Nuno (2024). Aprender. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Crato, Nuno (2025). Falta de educação. Público (26.04.2025).
Cara Odete. De facto, a honestidade intelectual do sr. Nuno Crato deixa muito a desejar. O segundo problema é o da comunicação social que, algumas vezes, imita o pior das redes sociais, sendo muito seduzida pela má-língua e o fatalismo. Por fim, e isso é o que mais me preocupa, temos as torres de marfim das Ciências da Educação, para quem o mundo é medido em função do seu contributo para a escrita de artigos em revistas Scopus. Abraço
Rui, a desfaçatez deste senhor é tão grande que nem me apetece comentar. O que se passa na escola e na sociedade de hoje é preocupante. Mentes e análises como as NC são perigosas., por enganam incautos. É preciso honestitade intelectual.