O livro «Aprender»: De que se fala quando se fala do currículo estruturado? (I)
O currículo estruturado é um dos temas nucleares que Nuno Crato (2024) aborda no livro «Aprender». Aí defende a sua necessidade, argumentando que os “países que obtêm melhores resultados no próprio PISA não são os que têm um currículo por competências, são os que têm um currículo bem estruturado, com base no conhecimento e na prática” (p.99). O segundo argumento obriga Crato a ter de recorrer a uma analogia, através da qual defende que “Não se começa por tocar sonatas - é necessário começar por treinar escalas no piano. Do mesmo modo, é necessário praticar as regras da aritmética e da álgebra para poder resolver problemas aplicados de matemática” (p. 98-99), enquanto um terceiro argumento o conduz a recorrer a uma breve reflexão sobre a importância do currículo estruturado na disciplina de Matemática, na disciplina de Geologia e na disciplina de Literatura. Há ainda um quarto argumento, que se exprime através da constatação de que um currículo estruturado ajuda “os professores a seguir uma estrutura de evolução progressiva e coerente, que facilita a aprendizagem dos alunos” (p. 103), o qual se encontra associado à necessidade de discutirmos o conceito de sequência didática proposta por Nuno Crato.
Este quarto argumento será o único argumento a abordar no próximo texto deste blogue quer porque faz sentido começar por refletir sobre os primeiros três tipos de argumentos que o precedem, os quais esgotam o nº de carateres que determinam o tamanho dos textos que aqui se publicam, quer porque esse quarto argumento é, na verdade, o texto que suscita uma reflexão mais exigente.
Assim, do conjunto de argumentos que selecionei para abordar a perspetiva de Nuno Crato sobre a importância do currículo estruturado, decidi não discutir o primeiro, uma vez que uma relação tão taxativa como N. Crato estabelece entre os resultados do PISA e o nível de estruturação do currículo carece de informações mais robustas para merecer uma reflexão minimamente séria e rigorosa
O segundo argumento cuja força é a fraqueza da analogia que estabelece entre a aprendizagem de um instrumento musical e a aprendizagem em Matemática também não me parece que seja um argumento digno de uma discussão credível sobre opções e desafios educativos. Já me referi neste blogue às limitações e equívocos das analogias como expedientes discursivos que se mobilizam para abreviar reflexões no campo da educação, no texto: «Educação, analogias, metáforas, parábolas e provérbios (II): Aprender matemática como se aprende solfejo». Como não tenho mais nada a acrescentar sobre este assunto, quem desejar conhecer o que penso sobre o mesmo, pode ler ou reler esse mesmo texto.
Ao terceiro argumento que N. Crato invoca, aponto-lhe duas vulnerabilidades. Uma que tem a ver com a reflexão específica que produz sobre Geologia, da qual não discordo, mas que é excessivamente circunscrita para que seja possível produzir generalizações sobre as estratégias de ensino nesta disciplina. No caso da Literatura, penso que a ousadia do autor roça o descaramento, dado que propõe uma metodologia que, na verdade, não pode propor porque não sabe o suficiente de Literatura para o fazer. Não contesto que seja necessário escolher uma lógica que oriente a comparação entre autores, como N. Crato defende, o que discordo, de forma veemente, é que ele imponha essa lógica, baseado não nas opções heurísticas que os estudos literários nos fornecem mas na necessidade de nos convencer das vantagens da sua tese. A segunda vulnerabilidade, que não é estranha à primeira, permite ilustrar um dos problemas da reflexão curricular e pedagógica que N. Crato tem vindo a produzir. Esta reflexão tem sempre como referência a disciplina de Matemática que é, como se sabe, a área onde o autor se movimenta. Ainda que discorde que, nesta área, se deva começar por conhecer as definições e os axiomas para só depois se enfrentarem as situações problemáticas, reconheço que a natureza dos conhecimentos em Matemática constitui um fator que obriga os professores a uma gestão avisada dos desafios com que, a partir desta área, vão confrontando os seus alunos. Ainda que a relação entre axiomas e situações problemáticas, mesmo em Matemática, seja mais complexa e plural do que aquilo que Nuno Crato propõe, é necessário reconhecer que há constrangimentos epistemológicos e concetuais que não podem ser ignorados quando se ensina Matemática, o que não significa, contudo, que os possamos erigir na referência padrão da reflexão a realizar em cada uma das restantes áreas curriculares. Cada uma destas áreas encontra-se sujeita àqueles constrangimentos particulares, os quais afetam as atividades de ensino que se propõem para orientar o trabalho dos professores e dos seus alunos.
Como já o anunciei atrás será no próximo deste blogue que irei abordar tanto a noção de sequência didática que se infere da leitura do livro «Aprender» (Crato, 2024), como as implicações relacionadas com uma tal proposta. Trata-se de uma problemática obrigatória para se compreender a noção de ensino estruturado que N. Crato propõe.
Referências
Crato, Nuno (2024). Aprender. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.