O PISA e a avaliação do pensamento criativo dos alunos em Portugal
Criatividade nas escolas... de que é que estamos a falar?
Em junho deste ano, o IAVE publicava os resultados do desempenho dos alunos portugueses nas provas que, sob a égide do PISA, se realizaram, pela primeira vez, em 2022, para avaliar o pensamento criativo (Ver iave.pt/wp-content/uploads/2024/06/Pensamento-Criativo_PISA2022-2pdf). Os resultados obtidos foram francamente positivos, tendo Portugal superado de forma estatisticamente significativa a média da OCDE, tal como se comprova pela leitura do texto publicado pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), onde se apresentam aqueles resultados, se carateriza o modo como o estudo foi produzido e se definem os conceitos que o estruturaram.
Não pretendo minimizar tais resultados e, muito menos, a alinhar pela perspetiva daqueles que quando os resultados dos alunos portugueses, em provas internacionais, são bons, tendem a ignorá-los, a desvalorizá-los ou a refugiar-se em teorias da conspiração, mas sinto-me obrigado, no entanto, a expressar as minhas preocupações quanto ao que o documento do IAVE nos revela quer sobre a conceção de pensamento criativo que suporta o estudo quer sobre o facto de, nas escolas portuguesas, os alunos de 15 anos usufruírem de “menos atividades criativas do que a média dos alunos da OCDE” (p.15).
Neste texto será, apenas, o primeiro assunto que irei abordar, começando por transcrever a definição de pensamento criativo, proposta no documento do IAVE, o qual é visto “como a capacidade de gerar, avaliar e melhorar ideias para produzir soluções originais e eficazes, fazer avançar o conhecimento e criar expressões de imaginação com impacto” (p.2). Trata-se de uma definição de criatividade que, de acordo com o referido documento, alinha com “o conceito de ‘little-c’ (ou criatividade ‘pequena’), refletindo os tipos de pensamento criativo que os alunos de 15 anos de todo o mundo podem demonstrar em contextos do dia a dia” (ibidem).
Perante esta definição, é obrigatório perguntar até que ponto é que a mesma tem em conta os desafios culturais específicos que se vivenciam nas escolas e, como tal, se se adequa à avaliação do pensamento criativo, não dos jovens, mas dos alunos?
Ainda que se possa alegar que, na avaliação do PISA, as tarefas propostas se relacionam com o domínio da Expressão Escrita, o domínio da Expressão Visual ou o domínio da Resolução de Problemas Científicos - domínios típicos do universo da educação escolar, uma leitura mais atenta das tarefas que se relacionam com cada um desses domínios parece evidenciar a tentativa de avaliar a criatividade dos alunos como uma capacidade o menos dependente possível das suas competências de escrita e de desenho ou dos seus conhecimentos científicos. É como se se pretendesse avaliar o pensamento criativo como uma variável dissociada daquelas competências e daqueles conhecimentos. Houve ainda um quarto domínio que a avaliação do PISA considerou, o da Resolução de Problemas Sociais, visto como um domínio “que implica compreender diferentes perspetivas, responder às necessidades dos outros e encontrar soluções inovadoras e funcionais para as partes envolvidas” (p.4), o qual me parece ser o domínio mais congruente com a definição transversal de criatividade que o estudo tende a valorizar.
Como já o referi atrás, não partilho esta reflexão para menorizar os resultados dos alunos portugueses. O que pretendo é denunciar um equívoco estruturante do projeto de avaliação da OCDE: o de entender a criatividade como uma capacidade cuja alegada transversalidade parece poder legitimar a possibilidade de ser dissociada dos quadros concetuais e heurísticos que os alunos dispõem para pensar e agir no mundo.
Na reflexão sobre os projetos de educação escolar, insistir numa tal perspetiva tem implicações que não podemos subestimar, sobretudo, se uma tal abordagem legitimar propostas educativas que, sob o desígnio de promover o pensamento criativo, o circunscrevem a áreas e a tarefas tão específicas quanto insulares.
Quais as implicações de uma tal perspetiva? É sobre este o assunto que irei refletir no próximo texto.