Creio que a publicação dos seis últimos textos que partilhei neste blogue, um dos quais da autoria de J. Matias Alves, permite evidenciar uma tendência que tem vindo a ganhar peso ao nível da reflexão pública que se produz sobre a Escola e os projetos de educação escolar. Mais do que denunciar as vulnerabilidades dessa tendência, importa compreender como é que uma tal reflexão se constrói, para se compreender o seu impacto sobre as perceções que se produzem acerca da problemática em questão.
Em termos gerais, pode afirmar-se que, na comunicação social, quando o tema é educação escolar, tende a prevalecer a opinião daqueles que perfilham o que pode ser designada como uma perspetiva instrucionista do mesmo. Não é esta, contudo, a situação que mais me inquieta, mesmo que tenha de reconhecer que uma tal opção pode contribuir para o empobrecimento dos debates. Aquilo que, na verdade, nos deve preocupar é o modo como uma tal opção pedagógica tende a ser imposta, muitas vezes de forma subliminar, como a única opção aceitável, através da adoção de um conjunto de atitudes que vale a pena serem mencionadas.
Uma dessas atitudes tem a ver com a caricaturização das perspetivas às quais os articulistas se opõem. Trata-se de uma estratégia através da qual se visa adquirir credibilidade não por força dos argumentos que se propõem, mas pela identificação das vulnerabilidades, quantas vezes distorcidas, das perspetivas dos outros.
Uma segunda atitude que tende a consolidar-se diz respeito à seleção grosseira dos factos, conferindo-se visibilidade aos que patrocinam as perspetivas dos autores e escamoteando ou, pelo menos, não interpelando aqueles factos que podem pôr em causa tais perspetivas ou que podem contribuir para as pôr em causa. O modo como as análises sobre os conteúdos das provas de avaliação do PIAAC nunca problematizam as opções metodológicas adotadas ou a ambição dos objetivos preconizados é o melhor exemplo desta atitude. Note-se que não estou a pôr em causa tais opções ou objetivos, mas tão somente a valorizar o facto de ambos não serem discutidos quanto à sua validade concetual e heurística.
Outra atitude que constitui um problema que não pode ser ignorado, relaciona-se com a crença de que em educação há respostas infalíveis e seguras. Seja por via do proselitismo militante que confunde crenças com factos, seja por via da postura demagógica onde os factos se gerem em função das crenças. O que se constata é que esta é uma postura que não só nos conduz para becos sem saída, como, principalmente, não permite que se invista na procura se soluções consequentes e produtivas, mesmo que estejam longe de ser as soluções que idealizamos.
Noutro registo, identifica-se, ainda, a atitude de quem ignora deliberadamente a informação disponível ou de quem a ignora porque não é capaz de selecionar os dados mais relevantes que essa informação nos fornece.
Finalmente, um outro problema relacionado com a opinião publicada pode ter a ver quer com o síndroma da busca dos likes ou, ao contrário, com a necessidade de se ser controverso como um fim em si mesmo. Estamos perante duas faces da mesma moeda, onde o objetivo final é mais a procura da glória pessoal do que o contributo para resolver o que quer que seja.
Não sendo este conjunto de atitudes um problema que afeta, apenas, o debate educativo, importa afirmar que este debate é penalizado pelas mesmas, nomeadamente quando impede, por um lado, o reconhecimento do trabalho e dos progressos realizados e, por outro, a identificação dos problemas relevantes a enfrentar. Assim, contribui-se para a desmobilização e o mal-estar dos atores educativos e impede-se a discussão acerca das respostas relevantes que possam contribuir para se pensar sobre a solução dos problemas quotidianos. Cultiva-se, deste modo, uma insatifação nihilista que, em vez de potenciar a mudança, conduz, antes, à inação. Ao alienarmos, por esta via, as nossas responsabilidades como cidadãos e cidadãs, estamos a contribuir, assim e por esta via, para bordar o tapete que os novos messias se aprestam a percorrer.
É que, não nos iludamos, estamos perante um movimento que não pode ser aferido em função da incompetência daqueles que o dinamizam. A falta de rigor e a adoção de uma leituras curriculares e pedagógicas circunscritas são um fator a considerar, mas seríamos ingénuos se reduzíssemos o movimento, apenas, a esta dimensão. Estamos perante uma estratégia que visa impor perspetivas e pontos de vista como as únicas perspetivas e pontos de vista aceitáveis. Estratégia esta, aliás, que se enquadra no âmbito do processo de afirmação do regime de pós-verdade que, hoje, se tem vindo a difundir e a consolidar no mundo em que vivemos. Como no-lo lembra Isabel Lucas (2025), na “pós-verdade encontra-se um padrão: deslegitimar a verdade objectiva, factual, como forma de consolidar poder”, o qual tende a ser dinamizado em função de “um conjunto de quatro tendências inter-relacionadas: um crescente desacordo sobre factos e interpretações analíticas de factos e dados; um esbatimento da linha entre opinião e facto; um aumento do volume relativo, e consequente influência, da opinião e da experiência pessoal sobre os factos; e uma menor confiança em fontes de informação factual anteriormente respeitadas” (Ibidem).
Fontes
Lucas, Isabel (2025). O que aconteceu à verdade? Trump e a sua consequência. In Público, 18.01.2025
A manipulação medra na sociedade da pos verdade.