O IAVE publicou, há poucos meses atrás, os resultados das provas do TIMSS (Trends in International Mathematics and Sciences Study), realizadas pelos alunos portugueses do 4º ano e do 8º ano, em 2023, nas áreas de Matemática e Ciências.
Numa primeira comparação com a média internacional, verifica-se que os alunos portugueses estiveram acima desta média, ao nível do 4º ano, tanto em Ciências, mais 17 pontos, como em Matemática, mais 14 pontos. No caso do 8º ano, em Ciências, os alunos portugueses superaram em 28 pontos a média internacional de referência, enquanto em Matemática se situaram 3 pontos abaixo da mesma.
Em comparação com os resultados do TIMSS, obtidos pelos alunos portugueses em 2019, o que se verifica é que, no ciclo de 2023, houve uma descida, no caso das provas de Matemática do 4º ano, de 8 pontos, e do 8º, de 25 pontos, bem como na prova de Ciências, deste último ano de escolaridade, onde os nossos alunos obtiveram menos 13 pontos. Só na prova de Ciências do 4º ano é que se registou uma subida de 7 pontos em comparação com a prova de 2019.
Refira-se, por fim, que ao nível do item literacia ambiental, uma subescala da referida prova de Ciências, os resultados dos alunos portugueses foram bastante positivos. No 4º ano de escolaridade, Portugal foi um dos treze países (em 57) que apresenta uma pontuação média superior em comparação com a média geral da prova em questão. No 8º ano ocorreu um fenómeno equivalente: entre os 42 países avaliados. Portugal foi um dos nove países que apresentaram resultados acima da média alcançada na mesma prova (mais 14 pontos).
Perante o conjunto destes resultados, houve algumas manifestações de desagrado que, mais do que promover reflexões consistentes e consequentes, se têm vindo a limitar, apenas, a exprimir o tom de insatisfação nihilista tão em voga nos dias que correm. Pior ainda é que uma tal insatisfação assenta em visões parcelares e parciais do que está em jogo.
O TIMSS, tal como o PIRLS e o PISA, são provas cuja importância se explica pela informação que disponibilizam acerca do desempenho escolar dos alunos em determinadas áreas do saber. Não nos revelam mais do que isto, sendo necessário ler e interpretar os resultados que nos fornecem, de forma cuidada, séria e rigorosa, o que implica, desde logo, que, como se evidencia pelos dados atrás apresentados, temos de reconhecer que não estamos perante uma situação de descalabro. Penso que é necessário preocuparmo-nos com esses resultados, analisando-os de forma criteriosa quanto ao que eles evidenciam, mas não podemos ignorar que os comentários catastrofistas assentam no facto de se estabelecerem comparações, apenas, entre o desempenho dos estudantes portugueses em 2019 e 2023. É que se se considerar os resultados nas provas de 2023 face à média da OCDE ou os resultados obtidos pelos nossos estudantes na subescala da literacia ambiental, a análise destes resultados deixa de poder ser vista como um alerta vermelho para ser, antes, uma justificação para se emitir um alerta amarelo.
Importa referir que a chamada de atenção para estas questões não corresponde a uma estratégia de fuga da realidade. Necessitamos de ambicionar mais e uma das condições para o fazermos passa pela qualidade da reflexão que produzirmos sobre os resultados do TIMSS. Uma reflexão que deve ser prudente, informada e sustentada, não assentando em soundbites que exprimem leituras ideologicamente enviesadas do sistema educativo português. É que não se pode ignorar, também, que as provas de 2023 têm de ser lidas à luz do impacto derivado do encerramento das escolas durante os anos da pandemia, da instabilidade que afetou o sistema educativo português devido à luta dos professores pela contagem integral do tempo de serviço, do crescimento dos alunos emigrantes ou mesmo o facto das provas terem sido realizadas integralmente em formato digital.
Daí a necessidade de sermos prudentes nas comparações que se fazem entre 2019 e 2023 e, sobretudo, de não as instrumentalizarmos em nome da reivindicação da necessidade de se retomarem práticas de ensino de natureza instrucionista. Esquece-se, quem o faz, que um país como Singapura, o primeiro país do ranking nas provas TIMSS, tanto no 4º como no 8º anos, é um país que promove um metodologia de ensino na área da Matemática que se carateriza pela recusa, neste âmbito, dos pressupostos que sustentam as propostas pedagogicamente mais conservadoras, as quais insistem em valorizar a memorização como um fim em si mesmo, o domínio mecânico dos procedimentos e um tipo de rigor académico que corresponde mais ao desejo de promover a disciplinarização circuscrita dos alunos do que propriamente em pugnar pelo seu envolvimento em tarefas intelectualmente complexas e culturalmente pertinentes. O que se denuncia, é que os defensores de uma tal abordagem não consigam ver que esse é o maior problema do ensino da Matemática e das Ciências nas nossas escolas. Os relatórios dos exames nacionais que o IAVE tem vindo a publicar comprovam-no, assim como os resultados obtidos noutras provas como o PISA ou o PIRLS. Daí que seja necessário afirmar com toda a clareza que se pretendemos que os nossos estudantes atinjam percentagens mais promissoras, em provas nacionais e internacionais, nos níveis de desempenho elevado e avançado, não podemos continuar reféns da perspetiva instrucionista que continua a modelar a ação educativa nas nossas escolas.
A outra vulnerabilidade que se expressa através da análise das provas TIMSS tem a ver, finalmente, com o estreitamento das leituras sobre as causas dos resultados nestas provas, as quais tendem a centrar-se, excessivamente e quase que exclusivamente, no eixo das políticas educativas, no eixo das condições de trabalho e da falta de reconhecimento do trabalho dos professores ou, ainda, no eixo das assimetrias socioculturais. Não se podendo recusar ou negar a importância destes três eixos, importa incluir no debate, igualmente, quer o eixo das crenças e das práticas curriculares e pedagógicas dos docentes portugueses, quer o eixo da responsabilidade institucional das escolas como espaços de aprendizagem, de desenvolvimento e de bem-estar.
Fontes
Santos, Luís; & Serrão, Anabela (2024). TIMSS 2023, Portugal - Relatório Nacional (Vol. 0). Lisboa: IAVE.
https://iave.pt/wp-content/uploads/2024/12/BrochuraTIMSS2023_4ano.pdf
https://iave.pt/wp-content/uploads/2024/12/BrochuraTIMSS2023_8ano.pdf