[Este é o excerto de uma uma crónica que foi inspirada na greve dos estudantes dos Ensinos Básico e Secundário contra a revisão curricular decretada, no ano 2000, pelo XIV Governo Constitucional liderado por António Guterres]
João estava banzado. Parecia as Antas em dia de jogo. Chegou a ver cachecóis dos Super-Dragões, mas o alvo daquela malta não era nem os ‘lampiões’ nem o Vale e Azevedo. Chama-se Guilherme de Oliveira Martins e era o Ministro da Educação.
Sara nunca tinha estado numa coisa assim. Viera para o Porto convencida pelos colegas de turma, mas sentia-se bastante inquieta. O que lhe diria a mãe? Mesmo assim arriscara vir. Os amigos chatearam-na tanto que ela não lhes conseguiu dizer que não. Até porque queria fazer greve. Nunca tinha visto tanta gente junta. Chegavam de todos os lados com cartazes, a dançar, a berrar, a falar ao mesmo tempo. Então miúda, valeu ou não valeu a pena teres vindo?
Só sabia que iam chatear o Diretor Regional. À medida que iam avançando pelo meio da rua, os carros eram obrigados a parar. E havia de tudo nos passeios. Gente que sorria e outros que os mandavam trabalhar. Uma senhora mostrava-se admirada por ver a Queima das Fitas passar nesse ano na Rua do Heroísmo. Com aquela faixa nas mãos, Queremos Educação Sexual, já! o António, a Joana, a Célia e o Miro eram o centro das atenções. Sorrisos irónicos, bocas brejeiras, conclamações a Nossa Senhora de Fátima, prognósticos sobre o fim do mundo, havia de tudo e para todos os gostos. Os corações dos elementos do quarteto lá iam acelerando aqui e ali, mas ninguém deu parte de fraco.
À noite, Paula contava contava à mesa as peripécias do dia.
- Foi bestial, pai.
- Eu vi na televisão. De facto era muita gente. Só não gostei de alguns cartazes. Não se pode chamar aquilo a ninguém. Perde-se logo a razão.
- E pior ainda - acrescentou a mãe - havia um que dizia «Aulas de noventa minutos. Acha bem senhor ministro?». Acha estava escrito com um X, vê lá tu. Como é possível que alunos do Secundário não saibam escrever?
Paula sorriu e não respondeu. Como é que lhes poderia explicar que aquele X, pintado propositadamente com outra cor, não era um erro, mas uma provocação. A marca que alguns grupos utilizavam para se identificarem como bando.
A greve dos alunos foi o tema das conversas na sala dos professores. Uma farra. Faz-lhes bem. A minha telefonou a pedir autorização para ir à Baixa.
- Mas, afinal, o que é que eles querem?
- São contra a Reforma.
- Isso também eu sou.
- Para mim, não querem nada. Sabem lá o que é que querem.
Judite sorriu de forma cúmplice para o Pedro. Apetecia-lhe dizer que não era aos estudantes que competia definir soluções para uma escola que, mesmo para os melhores alunos, poderia ter sentido, mas não tinha qualquer significado. Para ela, o problema não estava no facto de a escola poder ser, por vezes, um espaço de sofrimento. Para ela o problema só começava a sê-lo quando esse sofrimento se tornava gratuito e inútil. Por isso, mesmo que aquilo que os estudantes fizeram não passasse de um grito, não seria ela a criticá-los se aquela greve tivesse sido, apenas, isso.
[Texto adaptado da obra: Trindade, Rui; & Cosme, Ariana (2003). Isso vai sair no teste?. Porto: Edições ASA (Cadernos CRIAP 36)]