Neste texto abordam-se as duas visões sobre a mente que, de acordo com Jerome Bruner (2000), se têm vindo a establecer, no campo da Psicologia, desde a revolução cognitiva: a abordagem computacionalista e a abordagem culturalista. Através da primeira, que concebe a mente como um dispositivo informático, vocacionada para processar informação, alimenta-se a ilusão “de que deveríamos ser capazes de descobrir algo sobre como ensinar de forma mais eficiente os seres humanos, a partir do saber programar eficientemente os computadores” (idem, p. 18). A questão, no entanto, é a de saber se podemos discutir o funcionamento da mente, independentemente dos instrumentos e dos recursos que temos à nossa disposição para a fazer funcionar.
Isto leva-nos, por isso, à outra abordagem sobre a mente humana, a abordagem culturalista que
“recolhe a sua inspiração no facto revolucionário de a mente não poder existir separada da cultura. É que a evolução da mente homnídea está ligada ao desenvovimento do modo de viver em que a ‘realidade’ é representada por um simbolismo partilhado pelos membros de uma comunidade cultural, onde um determinado estilo técnico-social de vida simultaneamente se organiza e constrói nos termos desse simbolismo. Este modo simbólico não é apenas partilhado pela comunidade, mas também conservado, elaborado e transmitido às gerações subsequentes” (idem, p. 19-20).
Para Bruner,
“o computacionalismo sério não defende que a mente seja semelhante a um particular ‘computador’ que necessita de ser programado de uma certa forma em ordem a operar sistematicamente ou com ‘eficácia’. O que ele defende e antes que todo e qualquer sistema que processa informação tem de ser governado por ‘regras’ específicas ou procedimentos que determinem o que fazer com os dados recebidos. Não se interessa saber se é um sistema nervoso ou um sistema genético que recebe instruções do ADN e, mais tarde, reproduz as gerações futuras ou coisa do género. Este é o ideal da chamada inteligência artificial (IA)” (idem, p. 22).
Dito de outro, para a abordagem computacionalista as mentes humanas podem ser descritas “como sistemas governados por regras especificáveis para gestão do fluxo de informação codificada” (ibidem). Ao que Bruner objeta que um tal modelo exige que essas regras e operações “têm de de ser antecipadamente especificadas, têm de estar livres de ambiguidade” (idem, p. 23). Daí que defenda que as “regras computacionais podem ser contingentes, mas não podem conter contingências imprevisíveis” (ibidem) e, por isso, constata Bruner, “é precisamente esta clareza, esta prefixação de categorias que impõe o limite mais severo ao computacionalismo enquanto meio no qual se há de enquadrar um modelo da mente” (ibidem). Daí que Bruner recuse os complexos ‘modelos universais’ do funcionamento da mente que os computacionalistas concebem, designando-os com “’TOE’s’, acrónimo de theories of everything” (idem, p. 23).
Não se trata de negar que o processamento da informação é uma função inestimável da mente, mas, antes, de afirmar que, ao contrário da leitura proposta pelo computacionalismo sobre uma tal função, esta não poderá ser captada nem de forma descontextualizada nem de forma dissociada dos instrumentos culturais que se mobilizam para a realizar.
Fonte
Bruner, Jerome (2000). Cultura da Educação. Lisboa: Edições 70
A evidência de que a abordagem computacional - e também a estritamente escolar - abarca um contingente delimitado e não impulsiona processos cognitivos fecundos, está patente na multiplicidade de lugares e gentes onde e com quem a nossa aprendizagem se processa. O professor não tem mesmo o monopólio do processo de aprendizagem (também nos diz Bruner) e não adianta vivermos na ilusão “de que deveríamos ser capazes de descobrir algo sobre como ensinar de forma mais eficiente (...)"a partir tão só do que o professor tem como conhecimento curricular/didático. A diversidade de links com inteligências culturais várias numa escola "sem muros" será então o desafio a aceitar.