No excerto que se apresenta, Philippe Meirieu coloca-nos perante um dos problemas mais decisivos com que se defrontam os projetos de educação escolar que se desenvolvem em sociedades com uma orientação política democrática. Mantendo um diálogo imaginário com Hannah Arendt, começa por nos confrontar com as seguintes questões:
“a educação deve preparar a criança, pela autoridade da transmissão cultural, para o acesso à cidadania ou, ao contrário, deve reconhecer a criança a priori como um igual, um sujeito com quem se pode ter uma aproximação que, por si só, tornará possível o acesso à cultura? Deve assumir-se a educação como um ‘golpe de força inicial’ que ‘introduz a criança no mundo’ até que ela transponha ‘a fronteira’ e possa decidir livremente sobre a sua vida e suas escolhas? Ou é preciso respeitar nela, desde seu nascimento, um sujeito que decide sobre sua existência, a quem podemos oferecer possibilidades, comprometendo-a permanentemente com sua própria educação?” (Meirieu, 2002, p. 126).
Para Meirieu, este conjunto de questões podem ser abordadas em três níveis: o nível político, o nível psicológico e o nível pedagógico. Considerando que, no “plano político, Hannah Arendt, sem dúvida alguma, tem razão” (idem, p. 126-127) e que, “no plano psicológico não é seguro que o raciocínio de Hannah Arendt possa realmente ser sustentado até ao fim” (ibidem), Meirieu, considera que é no plano pedagógico que existem as maiores dificuldades em responder às questões atrás enunciadas, defendendo que
“para aquele que sustenta que a criança já é um sujeito e que deve ser imediatamente entendida como tal, é fácil responder que é um sujeito precário e que o adulto, independentemente do que ela diga, escolhe por ela o que é essencial para a sua construção... o adulto escolhe a língua, os valores, os estudos nos quais e pelos quais a criança será educada; em suma ele decide, independentemente do que ela diga, ‘introduzir a criança num mundo’, um mundo que é o do adulto que o assume como uma autoridade cujo fundamento a criança não consegue julgar... porque ela ainda não foi educada. Porém, reciprocamente, àquele que sustenta que a criança não é um sujeito mas um sujeitado, e que deve submeter-se à autoridade do adulto para poder um dia assumir as suas responsabilidades no mundo, é fácil mostrar que ninguém passa milagrosamente da posição de sujeitado a uma posição de sujeito e que o decreto jurídico não tem qualquer eficácia aqui. Àquele que, por sua autoridade, pretende impor o mundo e a cultura à criança, é preciso lembrar que ninguém é verdadeiramente capaz de levar essa posição até ao fim... é preciso insistir no fato de que, justamente por amar o mundo e estimar a cultura, o adulto tem de parar, mais ou menos conscientemente, de induzir a criança a querer aquilo que ele tenta impor-lhe. Àquele que pretende respeitar o sujeito na criança o tempo inteiro e apenas lhe propor a assimilação de conteúdos culturais quando estes venham a esclarecer e enriquecer suas relações, é preciso lembrar que, mesmo com a maior boa vontade do mundo, nem tudo é negociável e que a exigência intelectual não é espontaneamente objeto de desejo. Àquele que pretende assumir serenamente a sua autoridade, é preciso lembrar sempre que ele não pode imaginar - salvo se estiver completamente cego - ter erradicado toda a forma de sedução de seus comportamentos. Àquele que pretende respeitar o sujeito livre na criança em desenvolvimento, é preciso lembrar que sempre que ele não pode eliminar definitivamente da educação - salvo se estiver totalmente iludido - todo o comportamento autoritário, todo o arbítrio e, com certeza, toda a violência” (idem, p. 129 - 130)
Fonte
Meirieu, Philippe (2002). A Pedagogia entre o dizer e o fazer: A coragem de começar. Porto Alegre: Artmed
A coragem de hesitar…
Sem dúvida:
A educação deve preparar a criança … para o acesso à cidadania;
A criança é um sujeito com quem se pode ter uma aproximação que … torna possível o acesso à cultura.
A educação caminha com a criança no mundo’, acompanha a transposição das “fronteiras’ que a levam a decidir livremente sobre a sua vida e suas escolhas.
Trata-se de um sujeito que decide progressivamente sobre sua existência, a quem podemos oferecer possibilidades, comprometendo-a permanentemente com sua própria educação.
Concluo:
A questão está apenas no conceito de autoridade.
1º- Imposta? De cima para baixo?
2º-Reconhecida? Legitimada pelo educando? Dialogada?
Facilitista a 1ª, para o "educador",mas geradora de submissos ou de insurretos. Não educa, instrui; não prepara para a cidadania como participação coletiva na cidade.