O ‘Jornal de Notícias’ anunciou no dia 20 de agosto que «Notas subiram em oito de cada dez exames que foram reapreciados», acrescentando que «em Matemática A chegou aos 83,6% e em Português aos 79,6%». Dito de forma mais precisa, houve 1836 solicitações de reapreciação em Matemática A que em 83,6% das situações resultaram em melhorias de notas, enquanto no exame de Português foram 79,6% das 2833 solicitações que tiveram um impacto idêntico.
No corpo da notícia ficou-se a saber, também, que no caso dos exames de 9º ano ocorreu uma situação inversa. Nestes exames “quase metade das reapreciações resultaram na manutenção da nota. De um total de 13 690 reapreciações, em 45,8% a nota ficou igual, em 35,6% subiu e em 18,5% desceu. Mas com diferenças nas disciplinas. Se, em Português, 57,6% das revisões deram origem a uma subida da classificação, em Matemática dois terços dos 7708 pedidos resultaram na mesmíssima nota”, escreveu-se no JN.
O que concluir?
Antes de tentar enfrentar esta questão, quero anunciar que há respostas que começo por recusar. É o caso da acusação que atribui à incompetência dos corretores dos exames a causa do fenómeno que a notícia revela. Esta é uma explicação que ignora o que a generalidade dos estudos nacionais e internacionais sobre avaliação tendem a demonstrar: a utilização diferenciada dos critérios de avaliação previamente fixados, por parte dos corretores, a qual justifica que, perante uma mesma prova, é expectável que dois corretores, mesmo dispondo dos mesmos critérios, lhe atribuam classificações diferentes. Por isso, é que a notícia do JN relativamente aos exames de 2025 não é uma novidade. Veja-se o que aconteceu nos anos anteriores para se compreender que estamos perante uma situação já vista e vivida.
Um dado, esse sim mais relevante, é a comparação entre o que se passa nos exames finais do Ensino Secundário e os exames finais do Ensino Básico, uma vez que nos revelam como a perceção sobre a função seletiva dos exames influencia o trabalho dos corretores. Daí que os exames do Ensino Secundário enquanto instrumentos de seleção académica assumam um papel mais relevante, tendo em conta o seu impacto ao nível da entrada dos estudantes no Ensino Superior.
O outro dado relevante, relacionado com a notícia do JN, tem a ver com o modo como esta notícia contribui para descredibilizar as narrativas que fazem depender dos exames a possibilidade de termos práticas de avaliação mais exigentes e rigorosas. Na verdade não passa de mais uma crendice que se propõe por ignorância ou para perpetuar um sistema educativo cujo bom funcionamento, acreditam alguns, depende de uma Escola que deve contribuir para alfabetizar as massas, ao mesmo tempo que contribui para legitimar a seleção das elites. Um projeto que, apesar de não fazer sentido face aos desafios e exigências da vida no mundo contemporâneo, continua a ser apregoado como uma resposta que, independentemente do seu peso e relevância, é a de todos aqueles que continuam à espera do comboio na paragem do autocarro.
Não acredito que depois do fiasco do MAIA nos voltemos a confrontar tão cedo com a necessidade de refletirmos sobre o modo como avaliamos o desempenho dos nossos alunos, de forma a discutirmos o que é uma avaliação verdadeiramente exigente, rigorosa e academicamente consequente. É uma pena que isso aconteça, porque não podemos continuar a falar de avaliação das aprendizagens e a fazê-la da forma como continua a ser feita: desperdiçando informações, avaliando o que não pode nem deve ser avaliado, julgando avaliar algo que não se está a avaliar ou utilizando critérios ambíguos e equívocos para o fazer. O pior de tudo, é quando, em vez de se discutir tudo isto, se propõem soluções fáceis e indolores e se tenta encontrar um refúgio em discursos épicos sobre estas e outras problemáticas, dos quais os discursos sobre a infalibilidade dos exames é um dos mais inconsequentes.
Por isso, mais do que caricaturar o projeto MAIA e de o acusar de coisas que ele nunca quis ser, necessitamos de compreender, de forma séria, porque é que falhou. Sendo uma conversa para um outro dia, importa reconhecer, no entanto, que se tentou dar, provavelmente, um passo maior do que a perna. Ignorou-se, por exemplo, que um projeto tão ambicioso teria de ter sido objeto de uma operacionalização mais prudente, dado que não propunha, apenas, transformações técnicas nem se resumia a um investimento na modernização do sistema de avaliação pedagógica. Não se atribuiu a importância devida ao facto de, através do Projeto MAIA, se pretenderem estabelecer ruturas claras com o instrucionismo curricular e pedagógico ainda dominante. O que se exigia no MAIA não era, afinal e somente, uma mudança ao nível das conceções e práticas da avaliação, mas uma mudança mais ampla, vinculada a outras mudanças, igualmente, exigentes, seja em termos da capacidade de tomar decisões curriculares mais esclarecidas, contextualizadas e concetualmente sustentadas, seja em termos da gestão de um trabalho pedagógico mais inclusivo e culturalmente significativo. Por isso, é que defendo que se deveria ter pensado o desenvolvimento do projeto de forma diferente, como aconteceu, afinal, na parte final do mesmo, quando se tentou trabalhar, sobretudo, com agrupamentos cujos professores, e não apenas as direções desses agrupamentos, se encontravam disponíveis para se envolverem num projeto dessa natureza.
Infelizmente, o que continua a prevalecer é a diabolização de um programa que, na verdade, veio pôr ordem na casa, clarificando conceitos e propondo medidas das quais necessitamos como do pão para a boca, para que o ato de avaliar se possa constituir, por um lado, como um ato exigente e rigoroso e, por outro, como um ato decisivo, mais preocupado com as aprendizagens e a formação de cada e de todos os alunos do que com a sua seriação académica. É que, tal como evidencia a notícia que esteve na origem deste texto, este processo de seriação, visto como principal finalidade do processo de avaliação, não passa, afinal, de um ídolo de pés de barro.
Participei no projeto MAIA, com muito proveito. Mas tem razão, obviamente, quando diz que exigeria uma mais ampla mudança de paradigma pedagógico, embora também tenhamos que anuir que "por algum lado se tinha que começar"! O que sinto no terreno, como professor e como formador, é uma total falta de instrumentos conceptuais, em muitos colegas, para compreender o processo educativo e os progressos no seu estudo e conhecimento. E a avaliação é, como refere, uma das áreas, simultaneamente, mais nublosas e determinada por crenças ancestrais.