Estou convencido que há um mal-estar, mesmo que subentendido, face a uma Escola onde, por um lado, só se admitem as questões que pressupõem respostas previamente determinadas e, por outro, que estas só podem ser enunciadas por aqueles que são os únicos que conhecem as respostas legítimas e adequadas (Canário, 1999).
Por isso, e independentemente de haver professores que continuam à espera do comboio na paragem do autocarro, há quem não queira continuar a alimentar um tipo de ciclos educativos onde os desafios e as exigências não têm qualquer sentido e significado nem para os seus estudantes... nem para si próprios, enquanto docentes.
Neste país, o que se viveu, em termos de entusiasmo educativo, nos dois primeiros governos de António Costa, mostrou-nos que havia um desejo e um potencial de mudança que se explicam, em larga medida, face à crise de um modelo de educação escolar em conflito aberto com as necessidades do mundo em que vivemos. Diria até que as esperanças que se têm vindo a depositar nas TIC e na IA radicam numa tal insatisfação, ainda que seja necessário discutir as ilusões subjacentes a uma tal abordagem e os problemas educativos que daí derivam.
Um desses problemas, provavelmente o mais sério, diz respeito à tentativa de tentar meter os Aliados na Pena Ventosa, quando se defende, por exemplo, que as TIC e a IA poderão permitir que os alunos se assumam como protagonistas do seu proceso de aprendizagem, ignorando-se, no entanto, como o modelo curricular e pedagógico instrucionista inibe e impede um tal propósito. Fá-lo quando define que é a ignorância e a incompetência dos alunos que legitima a ação educativa dos seus professores, dado que é um paradoxo considerar que alguém com um tal estatuto possa ser protagonista do que quer que seja.
Daí que seja legítimo considerar que se está a confundir protagonismo e ativismo discente, ainda que um tal equívoco explique, provavelmente, o sucesso das propostas que entendem que o futuro da Escola passa pela gamificação pedagógica, pelas experiências imersivas que a realidade virtual proporciona ou pelo recurso à constelação de apps educativas disponíveis no mercado. Trata-se de uma opção através da qual se visa, na verdade, estimular a atividade dos alunos, de um modo equivalente àquela que carateriza a fase de aprendizagem das crianças na natação. Estas aprendem a nadar, nadando, ainda que condicionadas por artefactos que as obrigam a realizar os movimentos pretendidos. Não se discute a adequabilidade desta opção e a sua eficiência educativa. Não se discute, tão pouco, que uma tal possibilidade possa ser aplicada noutros contextos pedagógicos. O que se afirma é que, em situações desta natureza, é de ativismo que se fala e não de protagonismo docente.
Este implica que os alunos tenham um espaço de decisão e de autonomia que, não podendo ser confundidos com autossuficiência cultural, lhes permita envolver-se em projetos que estando cultural e pessoalmente balizados não se encontram prévia e rigidamente estruturados. Através da afirmação do protagonismo dos alunos confere-se visibilidade, no campo da educação, ao princípio da equifinalidade, um princípio, oriundo da área da Biologia, através do qual se defende que se pode atingir uma meta desejada a partir de condições iniciais diferentes e, por isso, seguindo estratégias diversas.
No caso da atividade pedagógica, o que se pede aos alunos é que façam algo que se encontra previamente determinado quanto aos seus objetivos e modo de os alcançar, sendo necessário quer que se assegure a sua recetividade para realizar a tarefa proposta, quer que se condicione a sua ação para que possa aprender o que os professores desejam que eles aprendam. Retoma-se o sonho interrompido que os arautos do ensino programado e da Pedagogia por Objetivos nos fizeram acreditar, quando anunciaram a necessidade e a possibilidade dos professores determinarem as etapas de aprendizagem dos alunos de forma prévia às mesmas.
Em suma, se o protagonismo discente implica a atividade dos alunos, esta, só por si, não pressupõe que os estudantes sejam protagonistas. No caso da natação, parece-me que faz sentido aprender a nadar como atrás o descrevi. O que não faz sentido, é considerar que este seja o modelo universal a seguir e, para o tornar aceitável, confundir o ativismo dos alunos com o seu protagonismo. É que uma tal perspetiva legitimaria o instrucionismo curricular e pedagógico como a única perspetiva aceitável.
Meter os Aliados na Pena Ventosa, tal como no caso do Rossio e da Betesga, é, por isso, uma mistificação que importa denunciar porque nos engana e nos impede de procurar soluções exequíveis e congruentes com os valores que se proclamam.
Fontes
Canário, Rui (1999). Educação de Adultos: Um campo e uma problemática. Lisboa: Educa.
A participação crítica dos alunos, a escuta sistemática e inteligente, a procura das perguntas que valem a pena e fazem sentido, a organização de contextos e desafios que os interpelam são dimensões essenciais de uma pedagogia da libertação das muitas grades onde nos deixamos aprisionar.