No texto anterior afirmou-se, a dado momento, a necessidade de distinguir, no âmbito do processo de apropriação do conhecimento culturalmente validado, o que se entende por informação e o que se entende por saber, tendo em conta que, para o paradigma da instrução, a difusão de informação tende a ser identificada com um processo de difusão do saber. Mais do que uma imprecisão ou um equívoco, uma tal identificação é congruente com a perspetiva de que basta saber transmitir informação, e assegurar que a mesma foi compreendida, para que os alunos adquiram saberes. Daí a centralidade que, no referido paradigma, se atribuem às aulas expositivas.
Em oposição a esta perspetiva emerge uma outra que tende a abordar a construção do saber como um processo que parece poder dispensar a informação como uma variável do mesmo. Daí a recusa, neste caso, de mobilizar as aulas expositivas como uma estratégia metodológica aceitável, dado que se entende que o saber resulta do “desenvolvimento de intercâmbios subjetivos” (Bruner, 2000, p. 85), o que configura, na perspetiva de Bruner (idem), a opção por um modelo pedagógico mutualista, mais preocupado com a interpretação e a compreensão da realidade do que com o rigor do conhecimento que se mobiliza para que tais operações se concretizem.
Numa terceira abordagem, a qual assenta na perspetiva de que o centro das preocupações educativas nas escolas deve ser a relação dos alunos com o conhecimento culturalmente validado, a distinção entre informação, conhecimento e saber é uma distinção crucial. Trata-se de um exercício proposto por Monteil (1985) que considera que enquanto a informação é exterior aos indivíduos, pode ser armazenada e está sujeita a um processo de circulação, o conhecimento, circunscrito à sua vertente idiossincrática, resulta da construção de significados tácitos que cada indivíduo produz acerca das suas experiências quotidianas, tendendo a ser, por isso, ininteligível. Para Monteil (idem), o saber, por oposição à natureza objetivante e exterior da informação e à natureza idiossincrática do conhecimento, constrói-se em função da problematização do real, a qual se concretiza a partir de quadros concetuais e de modelos e instrumentos metodológicos de formalização, o que, no seu conjunto, permite que se construa uma relação com a realidade, de forma deliberada e intencional, por via de um olhar refletido e não-ingénuo sobre a mesma.
É tendo este quadro concetual como referência que se pode explicar porque é que não é suficiente divulgar informação para que os estudantes a transformem em saber. Isto é, não basta difundir o conhecimento culturalmente validado para que alguém se possa apropriar do mesmo. Se é verdade que a informação é decisiva como um fator necessário no âmbito do processo de construção de saberes que conduz a uma tal apropriação, importa compreender que não é a informação que determina este processo, uma vez que, no âmbito do mesmo, não há recetores, mas intérpretes de informação.
Reconhecer este novo estatuto para os alunos, não significa que qualquer interpretação que estes produzam seja validada. Significa, apenas, que estamos perante uma interpretação válida que necessita de ser interpelada no tempo certo, de acordo com os recursos disponíveis e de forma plural. Por isso, é que não faz sentido definir a ação docente a partir da incompetência, da imaturidade e da ignorância dos alunos. É o que estes sabem e o que estes são que tem de constituir a referência constante do trabalho de interlocução que os professores têm de promover. Um trabalho marcado por tensões e vicissitudes diversas que pode implicar, algumas vezes, a adoção de atitudes pedagogicamente mais intrusivas, as quais, mais do que pôr em causa o protagonismo dos alunos, o reconhecem como condição e desafio que contribui para modelar, inevitavelmente, o ato de ensinar.
Fontes
Bruner, Jerome (2000). Cultura da educação. Lisboa: Edições 70.
Monteil, Jean-Marc (1985). Dynamique sociale et systèmes de formation. Paris: Éd. universitaires - UNMFREO
"Em oposição a esta perspetiva emerge uma outra que tende a abordar a construção do saber como um processo que parece poder dispensar a informação como uma variável do mesmo. Daí a recusa, neste caso, de mobilizar as aulas expositivas como uma estratégia metodológica aceitável ". Mesmo a cremos neste paradigma, a passagem de informação não reside exclusivamente no professor...