A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou, em 2024, o livro «Aprender» da autoria de Nuno Crato. Trata-se da obra mais recente deste autor, a qual difere daquela que o consagrou, em 2006, «O ‘eduquês’ em discurso directo: Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista», por ser escrita de forma um pouco mais cuida e sustentada, apesar de ser possível continuar a identificarem-se especulações abusivas, citações e paráfrases não identificadas, abordagens equívocas ou descontextualizadas de alguns dos autores que mobiliza ou conclusões que contrariam as evidências que as sustentam.
Não faria sentido, contudo, escrever uma recensão sobre o livro em questão para denunciar, apenas, as suas vulnerabilidades, uma vez que há dimensões do pensamento pedagógico de Nuno Crato que nos confrontam com um conjunto de questões que não poderá ser ignorado.
Uma destas dimensões diz respeito ao estatuto que esse autor atribui ao conhecimento culturalmente validado no âmbito dos projetos de educação escolar, o qual constitui uma problemática cuja importância não poderá ser subalternizada. Relacionada com a mesma, defrontamo-nos com uma outra: a do estatuto e do peso do conhecimento experiencial dos alunos como fator educativo a valorizar quando se discute a apropriação do já referido conhecimento culturalmente validado.
Uma outra dimensão, que não pode deixar de ser relacionada com a anterior, tem a ver com a necessidade de se discutir o modo como Crato concebe a relação entre competências e conhecimentos, a qual, por sua vez, justifica que a valorização do que o autor designa por ensino estruturado constitua um tema decisivo da sua obra.
Uma última dimensão remete-nos para a teoria da aprendizagem que N. Crato difunde que tanto lhe serve para legitimar a prevalência que atribui quer ao ensino por conteúdos quer ao já referido ensino estruturado.
Serão, assim, os cinco temas que estas dimensões sugerem (o estatuto do conhecimento culturalmente validado; o peso do conhecimento experiencial dos alunos como fator de aprendizagem; a relação entre competências e conhecimentos; o ensino estruturado e a teoria da aprendizagem) constituem o próximo objeto de reflexão dos textos a publicar neste blogue, esperando-se que se comprove, entre outras coisas, que é necessário que nos interpelemos e que sejamos interpelados, enquanto condição necessária para que, através do confronto de argumentos, criemos condições para produzirmos reflexões mais capazes e consequentes.
Como no-lo lembra Byung-Chul Han (2022), na “ação comunicativa tenho de ter presente a possibilidade de a minha declaração ser posta em causa pelo outro (...). Se a compulsão da autopropaganda aumentar, os espaços do discurso são cada vez mais substituídos por câmaras de eco, nas quais me oiço sobretudo a mim mesmo. O discurso pressupõe separar a opinião própria da identidade própria. As pessoas que não possuem esta capacidade discursiva agarram-se obstinadamente à sua opinião, pois, de outro modo, a sua identidade fica ameaçada. Por esta razão, a tentativa de as fazer mudar de opinião fica votada ao fracasso. Não ouvem os outros, não os escutam. Porém, o discurso é uma prática do escutar. A crise da democracia é, antes de mais, uma crise do escutar” (p. 33-34).
Referências
Crato, Nuno (2006). O ‘eduquês’ em discurso directo: Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. Lisboa: Gradiva.
Crato, Nuno (2024). Aprender. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Byung-Chul Han (2022). Infocracia. Lisboa: Relógio D’Água.
Concordo com a sua tese segundo a qual deveremos debater estes cinco aspetos pressupostos na argumentação de Nuno Crato. Porém, continuo a temer que esta discussão sobre a "essência da educação" se continue a fazer num ambiente epistemológico de incomensurabilidade de paradigmas educacionais.