O PIAAC: O que nos revela? (I)
A literacia dos adultos entre os 55 e os 65 anos e dos adultos entre os 25 e os 34 anos, em Portugal
Estamos na cauda da Europa em literacia, noticiava o jornal «Público (29.12.2024), reagindo ao relatório do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos / Ciclo 2, um estudo da responsabilidade da OCDE, onde Portugal participou pela primeira vez. É este estudo que nos mostra que a proficiência média dos portugueses, com idades compreendidas entre os 16 e os 65 anos, se situa em níveis inferiores à média dos resultados obtidos pelos 31 países participantes, nos domínios da literacia, da numeracia e da resolução adaptativa de problemas.
No caso da literacia, os inquiridos, em Portugal, obtiveram 235 pontos, 25 pontos abaixo da média do estudo da OCDE. Na numeracia, os 238 pontos alcançados no nosso país contrastam com os 263 da média da OCDE, enquanto na resolução adaptativa de problemas, esta média é de 251 pontos, 19 pontos acima dos resultados nacionais. De acordo com as informações obtidas pela leitura de uma brocura editada pela ANQEP, Portugal fica acima do Chile nas três escalas e da Polónia na resolução adaptativa de problemas, tendo, ainda, obtido resultados equivalentes aos da Polónia na literacia e numeracia e igualado, também, a Lituânia na literacia e na resolução adaptativa de problemas, onde se equipara com a Itália, Israel e a Croácia
O que é que estes resultados revelam?
Esta é uma questão que implica respostas tão prudentes quanto decentes, sobretudo se pretendermos que estes resultados sirvam para algo mais do que alimentar discussões inúteis, ajustes de contas, maledicências gratuitas e as manifestações de proselitismo narcísico que vão inundando as redes sociais e uma parte significativa da opinião publicada.
Fiel à necessidade de se construírem análises produtivas e sérias, tentarei, neste texto, abordar os resultados tanto do grupo etário dos adultos mais velhos (55-65 anos) como do grupo etário dos adultos que se situam entre os 25 e os 34 anos, seja porque o desempenho destes grupos, em conjunto com o grupo dos 35 - 44 anos e dos 45 - 54 anos, é decisivo para explicar os resultados referentes a Portugal, seja porque são aqueles dois grupos que constituem, a par do grupo de adultos mais jovem (16 - 24 anos) o objeto de análise do relatório da OCDE.
Tal como se reconhece no referido documento, as disparidades de competências entre ambos os grupos “podem traduzir efeitos associados ao envelhecimento (...), mas também diferenças na qualidade e quantidade de educação e formação entre gerações” (p.3). Este é um dado fundamental que parece ser esquecido em muitas das análises que têm vindo a ser publicitadas. Daí que seja necessário valorizar o vínculo entre os resultados obtidos pelos adultos portugueses no estudo da OCDE e o seu percurso escolar. Aceitando que não será este o único fator a considerar em termos da análise do desenvolvimento da sua literacia, não se pode desprezar, contudo, o seu contributo para explicar o nível de literacia dos inquiridos. Será, por isso, este o fator que irei valorizar, não só porque estamos perante um fator tão decisivo quanto pertinente, como porque, confesso, não sei o suficiente para refletir de forma sustentada e pertinente sobre outros fatores que possam ser considerados para discutir e explicar os desempenhos daqueles dois grupos etários.
Assim, é obrigatório começar por valorizar o facto dos adultos mais velhos (55-65 anos) terem vivido num tempo educativo, anterior ao 25 de abril de 1974, caraterizado pelo facto de a escolaridade obrigatória se esgotar no 4º ano de escolaridade e, igualmente, pelas altíssimas percentagens de insucesso e de abandono escolar que explicam porque é que, naquela data, cerca de 25% dos portugueses eram analfabetos e o nível de habilitações académicas da população portuguesa era extremamente baixo.
No caso do grupo de adultos entre os 25 e os 34 anos a situação é diferente, ainda que estejamos perante uma população que, comparando com a larga maioria dos países que participaram no estudo, não deixa de ser penalizada pelo processo de massificação tardia do sistema educativo português. Estamos perante homens e mulheres que entraram no 1º ciclo do Ensino Básico entre 1996 e 2005, o que significa que a escolaridade obrigatória para este grupo de adultos se circunscrevia, ainda, aos nove anos de escolaridade. Para além disso, este é o mesmo grupo etário que é contemporâneo ou do Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo (PIPSE) e do Programa de Educação para Todos (PEPT), os primeiros programas que foram lançados por parte do Ministério da Educação para combater o insucesso e abandono escolares, no 1º e no 2º ciclos do Ensino Básico, ou das primeiras duas gerações dos programas TEIP. Trata-se de um grupo, onde coexistem aqueles se enquadram na geração que, em 2006, obteve resultados catastróficos no PISA, enquanto que os mais novos se encontram mais próximos da geração que, em 2009 e 2015, nesse mesmo programa de avaliação internacional, colocam Portugal na média da OCDE. Pode considerar-se, por isso, que esta geração, a dos adultos com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos, é uma geração de transição entre um tempo educativo em que o insucesso escolar era visto como o sucesso de um sistema educativo que visava contribuir, deliberadamente, para promover a estratificação social por via da estratificação académica, para um tempo educativo em que o insucesso e o abandono escolares passam a ser vistos como problemas educativos a enfrentar. No campo da educação, as transições, ainda que apontem para novos desafios e objetivos, não deixam de ser afetadas pelo tempo educativo que visam superar. Daí que seja expectável que a geração dos 25-34 anos não só tenha obtido resultados superiores ao das gerações anterior, no estudo da OCDE, como ainda esteja longe dos desempenhos médios do estudo da OCDE.
Perante este conjunto de dados parece-me que não se pode desprezar as discrepâncias existentes entre o processo de escolarização em Portugal e nos restantes países participantes no estudo da OCDE como um fator decisivo para explicar o desempenho dos adultos portugueses, sendo necessário discutir, contudo, se os resultados da geração mais jovem, a dos 16 - 24 anos, ainda abaixo do desempenho médio dos grupos etários equivalentes naqueles países, podem continuar a ser explicados por aquelas discrepâncias
Este será o tema do próximo texto, de forma a discutir-se o que pode explicar os resultados da geração mais jovem e o que é que estes resultados podem revelar sobre as experiências formativas que se vivem nas escolas portuguesas.
Fontes
https://www.oecd.org/content/dam/oecd/pt/publications/reports/2024/12/survey-of-adults-skills-2023-country-notes_df7b4a60/portugal_bf79257b/3d83066e-pt.pdf
https://www.anqep.gov.pt/np4/?newsId=590&fileName=Destaques_PIAAC_PRT_Dez2024_FINAL.pdf
Posto essa análise, a questão é como concertar uma formação sólida e relevante para os adultos. Há oferta excessiva de formação financiada para desempregados perfeitamente inútil. Há centros de formação que arrecadam rios de financiamento para fazer que formam. E depois, obviamente, há falta de competências.
Nada como analisar e contextualizar os dados e chegar também ao modo como o trabalho ((des)valoriza o conhecimento.