O PISA e a avaliação do pensamento criativo dos alunos em Portugal
A criatividade dos alunos como uma problemática circunscrita
Se no texto anterior propus uma reflexão sobre as implicações educativas das abordagens que entendem a criatividade como uma competência dita transversal, a propósito da avaliação que, em 2022, o PISA promoveu acerca do pensamento criativo, neste texto, tal como o anunciei, pretendo discutir até que ponto o desenvolvimento do pensamento criativo pode ficar confinado a áreas e a atividades circunscritas.
Trata-se de uma problemática que irei abordar, agora, a partir de uma conclusão proposta no relatório de avaliação do estudo realizado, a qual nos informa que, em comparação com a média dos alunos dos países da OCDE, os estudantes portugueses têm uma participação inferior em ativdades de natureza criativa. Afirma-se que “entre 10 a 15% dos alunos portugueses frequentam cursos ou atividades de artes, teatro, música, escrita criativa e fóruns de discussão ou debates, pelo menos uma vez por mês” (p.15) e, igualmente, que “menos de 10% dos alunos participam em cursos ou atividades de programação, clube de ciências e de jornais” (ibidem).
Não podendo ignorar-se estes dados, importa não ignorar, também, que o estudo evidencia que os alunos portugueses não apresentaram desempenhos inferiores ao dos seus congéneres da OCDE no que à afirmação do pensamento criativo diz respeito.
Não creio, no entanto, que se possa concluir, de imediato, que uma tal contradição pode ser vista como expressão do baixo impacto daquelas atividades no desenvolvimento da criatividade dos alunos. Seguindo o raciocínio já expresso no texto anterior, o que os dados parecem corroborar é o facto da criatividade ter de ser vista como uma capacidade que se desenvolve em função de experiências diversas que não poderão ser dissociadas dos saberes e das experiências de cada um. Assim, é possível que o sujeito A demonstre um elevado nível de criatividade na situação X e não na situação Y, fruto da familiaridade que mantém com a primeira situação e a sua estranheza face à segunda.
Diria, por isso, que esta é uma questão que importa valorizar, nomeadamente para discutir, por um lado, as condições em que a participação em atividades artísticas ou em clubes de discussão e de pesquisa podem potenciar a afirmação e desenvolvimento do pensamento criativo e, por outro, as suas limitações intrínsecas, nomeadamente quando em nome da valorização desta mesmas atividades se poder contribuir, de forma explícita ou implícita, para se alienar a importância da criatividade como capacidade a desenvolver de forma mais ampla, mobilizando-se as oportunidades decorrente do trabalho formativo que se promove, por exemplo, em Biologia, Filosofia, Física, História, Literatura ou Matemática.
Não se nega, por isso, a importância das atividades nos domínios das artes, dos clubes de debates, de programação e de ciências ou os cursos de escrita criativa como um fator potenciador do pensamento criativo [1], o que se afirma é que é necessário ser prudente quanto ao impacto transversal das mesmas, do ponto de vista do desenvolvimento da criatividade dos alunos. Se este objetivo, ao nível dos espaços letivos regulares, for considerado um objetivo estranho aos mesmos, a criatividade dos alunos não só poderá ficar confinada, eventualmente, aos domínios das artes, dos clubes e dos cursos atrás referidos, como poderá alimentar a aceitação tácita ou explícita de que nas escolas deve haver espaços vocacionados para o desenvolvimento do pensamento criativo e espaços vocacionados para a apropriação do conhecimento culturalmente validado. Uma tese que tanto penaliza o desenvolvimento da criatividade, quando o circunscreve, como penaliza, igualmente, a qualidade e as possibilidades de, através do desenvolvimento do pensamento criativo, se contribuir, também, para apropriação daquele tipo de conhecimento.
[1] Em rigor, não são estas atividades que, só por si, garantem o que quer que seja. Na verdade, é o modo como estas são concebidas e geridas que poderá contribuir para o desenvolvimento do pensamento criativo dos alunos.
Claramente. É salutar ir além da superfície das coisas.