Sobre a “urgência de ensinarmos o pensamento crítico”
Bárbara Wong («Público», 25.08.2024)
“Pedro decidiu regressar ao ensino superior depois de três anos de interregno. Viu todas as opções e decidiu que o melhor seria voltar a fazer o exame nacional de Português, essencial para o ingresso no curso que queria. Falou com professores seus amigos, amigos dos seus professores e todos o aconselharam a... Ser mediano. A mãe contava-me a história do exame de Português do Pedro e eu ia abrindo a boca de espanto.
Professor atrás de professor a aconselhar o rapaz a não dar respostas fora da caixa, mesmo que conseguisse justificar bem o seu argumento. "Não inventes", é o resumo. Não ser crítico nem criativo porque, pasme-se, diziam os mesmos professores, não é isso que ensinamos aos alunos. Eles só sabem a matéria, não sabem ir além dela. "Não lêem, não vão ao cinema, a uma peça de teatro, não têm pensamento crítico porque não é isso que lhes ensinamos na escola", disse uma professora amiga, responsável pelos exames no seu agrupamento de escolas, acrescentando, que um professor corrector quando vê algo fora da norma, fora dos critérios, fica com dúvidas e corta. "Está formatado", disse.
O rapaz de 21 anos fez o seu exame, viu os critérios de correcção, confirmou que teria a nota máxima na gramática, mas que se "espalhara ao comprido" na interpretação. Ele tinha escrito coisas que não estavam contempladas, teria, no máximo 16 valores (de 0 e 20), talvez fosse suficiente para entrar. Fustigou-se: "Mas por que é que não me cingi ao básico? Eu sabia escrever o óbvio..." Andou angustiado até saber a nota: 19, o mesmo resultado que tivera três anos antes, quando decidira dar outro rumo à sua vida. Aparentemente, apanhou um corrector que não estava formatado. Gosto de imaginar que esse professor se sentiu bem, recompensado ao ler aquele exame, que pensou que vale a pena ensinar, que foi feliz!”
É a partir deste testemunho que Bárbara Wong defende a necessidade de nas escolas portuguesas se ensinar o pensamento crítico. Ainda que eu prefira dizer que nas escolas portuguesas os alunos deverão ser estimulados a desenvolver o seu pensamento crítico, concordo, e aplaudo o apelo com que Bárbara Wong nos confronta. As razões porque ela o faz são razões que a todos nós dizem respeito.
A primeira dessas razões, decorre da constatação que o sentido crítico dos jovens está mais dependente das suas experiências extraescolares, em função do capital cultural das suas famílias, do que do investimento que nas escolas se produz para que esse tipo de competência se afirme e desenvolva. Também aqui, denuncia a jornalista, as assimetrias sociais têm o seu peso, ainda que os custos acabem, de algum modo, por dizer respeito a toda a soceidade portuguesa.
A segunda razão relaciona-se com o facto de não podermos ignorar a pergunta com que a jornalista nos confronta:
“Queremos jovens amorfos, enterrados nas redes sociais a seguir alegados criminosos como Andrew Tate, que continua a ser investigado por tráfico humano e abuso sexual de menores (foi preso na quarta-feira) mas que continua a ser um sucesso na Internet; queremos que sigam grupos de extrema-direita e de extrema-esquerda, que vivem em mundo paralelos, onde o ódio domina as suas cabeças e acções?”
São questões que nos obrigam a encarar de frente um problema que obriga a valorizar o desenvolvimento do pensamento crítico como objetivo educacional. O que é necessário, para Bárbara Wong , é que tenhamos em conta a reflexão do jornalista Will Oremus que ela invoca para mostrar como a ausência de uma tal competência, facilita a possibilidade de, através das fake news e da IA, se transformarem as mentiras em verdades. De acordo com Will Oremus
”No fim-de-semana passado, Trump publicou duas imagens na rede social que criou que foram geradas por IA, uma de Kamala Harris com um ecrã onde se via uma foice e um martelo, outra que reflectia o apoio de Taylor Swift ao candidato republicano. "O mundo da IA oferece a Trump e aos seus apoiantes uma realidade alternativa apelativa", escreve o jornalista, que cita Mike Caulfield, especialista em literacia da informação: "A principal utilização da 'desinformação' não é, de todo, mudar as crenças de outras pessoas. Em vez disso, a grande maioria da desinformação é oferecida como um serviço para as pessoas manterem as suas crenças face a provas esmagadoras do contrário."
Finalmente, a importância estratégia que nas escolas se deve atribuir ao desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos explica-se pela necessidade de aí se promoverem as condições necessárias que permitam que estes realizem aprendizagens culturalmente significativas, vivenciando, concomitantemente, um projeto de formação pessoal e social que os capacite a viverem em sociedades que se reivindicam como democráticas e do conhecimento. Que Matemática, que História, que Biologia, que Literatura se aprendem, dispensando o pensamento crítico dos alunos como condição e objetivo de aprendizagem?
Concordo!
É uma tarefa/atitude pedagógica não só necessária... É urgente.
E nada fácil.